O Aranha, como o chamavam na intimidade, não era um homem bom. Tecia sua rede fina e negra por sobre pessoas e fatos. Não maltratava as pessoas, ao contrário, estampava ar de compreensivo, sorria devagar mostrando dentes amarelados, assim como os dedos de nicotina e muito café. Magro, barriguinha cujo botão na altura do umbigo sempre ficava desabotoado, uma leve corcunda, sua cabeça parecia fincada em cima de um cabo de vassoura suja, os cabelos lisos e engraxados eram repartidos mais para o lado esquerdo, sendo que um lado era mais branco do que o outro. Puxara o lado esquerdo, mais branco, sobre o direito, mais escuro, para esconder um inicio de calvície.
A cor de sua pele era indefinida. Talvez uma fusão da cor verde cana do caboclo com o caiçara amorenada, correndo no sangue uma gota indefinida do DNA dos portugueses.
Mas Aranha não era um bom homem. Sua família vivia entorno de uma infelicidade profunda não aparente, mulher, 6 filhos, dois netos, uma nora e um genro –todos morando juntos. A casa do Aranha fazia um éle (L) e no centro tinha uma mangueira frondosa, única alegria dos filhos quando pequenos e hoje dos netos jamais a sra. Aranha e sr. Aranha sentaram embaixo dela de mãos dadas tomando a fresca e olhando o por do sol.
Aranha não era um homem pobre. Era um homem rico comparado com o resto da população da pequena cidade de Luz, comunidade de uns 20.000 habitantes, no estado de Tocantins.
Ele era advogado e esforçado, mas não era um bom homem. Fez a faculdade por correspondência e, por interesse pessoal, estudou muito as leis e as contra leis. Um instinto o impulsionava a defender os maus caráteres e corruptos; nunca os que se encontravam em seu direito de receber a benesse da lei.
Aranha sabia urdir um plano estratégico juntando fio com fio, contra o Bem. Ele gostava de quem era ruim por natureza ignorando quem era bom por formação. Teve sucesso na maior parte dos casos que defendeu. Nas rixas de galo proibidas, ia preso o apostador e não o dono da casa. A explicação era que o apostador era viciado e o dono do terreiro um honesto homem de negócios. Quando se tratava de furto perdia o dono legitimo do animal ou objeto: a razão alegada era que o dono não cuidara de sua propriedade. Em caso de adultério sempre ganhava o homem safado e como premio não precisava pagar pensão para a mulher traída.
Chegou mesmo uma vez, ao quase absurdo, de defender um assassino e o juiz declarar culpado o assassinado.
Era impressionante ver Aranha andando de um lado para o outro, sua capa preta dependurada nos ombros sendo arrastada pelo chão velho e sujo do tribunal. Andava, parava, andava, fingia que pensava ao colocar a mão no queixo e abaixar a cabeça em profunda reflexão.
Aranha não era um bom homem. Sua fama chegou às comunidades vizinhas e um dia resolveu candidatar-se a prefeito da cidade. Baixou a grande placa em frente da casa que dizia “Aranha Advogado Diplomado LDTA “ e a mensagem: “ O sol amanhece dourado”! (Só não informava para que lado o sol se levantava dourado fazendo com que os homens ingênuos, caíssem nas mãos de um homem que não era bom. Os preços cobrados tinham que ser módicos, Aranha sabia, mas o dinheiro não lhe era importante conquanto o Mal vencesse. Assim, desse jeito estranho para nós, ficou amigo de todos que eram os Maus da cidade e adjacências. Já podia se candidatar porque com certeza ganharia a chefia da prefeitura, apoiado por todos aqueles que ele havia defendido contra o Certo. O Errado chegava natural para o Aranha, não foi coisa adquirida ao longo da vida, não teve pai ou mãe como exemplos!
Quem arbitrava o que era certo e o que era errado? Perguntava-se. “A Igreja do Padre Miguel?” Não, porque colocava a opinião de Deus no meio e neste Aranha não acreditava. Nos livros das leis? Também não porque para cada linha escrita sobre o que era o Errado, havia duas para defendê-lo. Foi estudando nas entrelinhas que Aranha encontrou o prazer orgástico de defender o Mal, semente geradora do homem que não é bom.
Aranha não era um bom homem. O Bem era mentira e sempre perdedor – ao contrário da crendice popular. O Mal é grande, é o maior dos mistérios não elucidados dentro de qualquer Homem, acreditava Aranha.
Não quero ser bom só porque é certo”! Concluiu ao final de seus estudos.
Aranha venceu na sua crença. Tornou-se ao longo do tempo o homem, não o mais rico, mas o mais influente e detestado da região. Defendia-se que não pôs a mão no dinheiro do caixa da prefeitura para si, apenas que, ao fraudar licitações favorecia os que queriam progredir, admirava os que lutavam por melhorias como os empreiteiros e suas estradas e os produtores da merenda escolar. Aranha não tinha dúvidas sobre a vida e conseqüências de seus atos ou reflexões sobre o mal. Era peremptório: “o mal sempre vencerá porque o Homem é mau por natureza.”
“Não vê como o mundo é desgraçado? Discursava no tribunal, “A culpa é minha, sua, dele”? na hora da defesa do réu.
Diria que Dr. Aranha apesar de não ser um bom homem destacava-se dos demais cidadãos pela erudição e interesse pelo conhecimento, talvez por isso declarava-se ateu.
Aranha não era generoso. Não fazia doações para creches nem dava esmola porque achava ser de responsabilidade do governo, portanto dele mesmo, prover os pobres e desafortunados.
Como prefeito seu grande feito, foi lembrado e decantado por ter construído mais escolas do que havia crianças para freqüentá-las. O nome do Ginásio, o maior em espaço e beleza com suas colunas gregas à porta, era José Luiz A. Aranha. (A de Abrantes).
Até aqui apresentei um bom advogado e não um bom homem. Para dar crédito a esta informação vou contar a sua mais importante causa – referida em alguns livros didáticos como sendo o Caso Lara.
Lara tornara-se viúva muito jovem. Casada com um homem dono de muita terra, 25 anos mais velho do que ela, que morrera de infarto.
Os filhos deste senhor, temerosos que a jovem madrasta levasse a melhor na herança, confessaram o seu sentimento ao pai que acabou dando uma fazenda para cada um deles assim como uma para a jovem esposa, seguro de que desta forma demonstraria, em vida, a seus filhos, que não privilegiara Lara. Procurou Aranha para que este preparasse um documento onde Lara confessaria, oficialmente, ter recebido de presente uma fazenda. Seus filhos, porém, apesar de terem recebido igual quinhão, não precisavam confessar o recebimento.
Aranha não alertou o bom velho que este procedimento iria prejudicar a sua jovem e linda senhora na hora da partilha pois ela ganharia menos do que os filhos uma vez que confessara já ter ganho antes dele morrer enquanto os filhos ganharam, mas não confessaram terem recebido.
Quando o fazendeiro morreu, na hora seguinte estavam todos eles reunidos na mesa da prefeitura, acanhada e mal cuidada. Dito e feito: Computou-se para Lara ter recebido R$ 100.000 cruzeiros (valor da fazenda). Os filhos receberam mais uma fazenda enquanto Lara ficara só com uma mesmo.
Eu achava que nesta hora, Aranha exultaria pelo mal que causara à Lara mas não foi assim que aconteceu.
Lara era muito bonita de rosto e corpo. Quando ela chegava à prefeitura para discutir com Aranha e os filhos a partilha do falecido marido, vinha mais perfumada e com vestidos de cores mais claras e modelos mais provocantes, bem diferentes do vestido preto da primeira vez.
Lara brigava ferozmente por cada tostão. Com o filho mais velho, o direito de ficar com o relógio Rolex do pai. Brigou pela enorme casa com piscina, pela TV plasma, a Cherokee , o sitio bucólico de tão boas lembranças, jóias que foram da mãe dos meninos, enfim…. tudo que sobrou.
A tese desenvolvida por Aranha era de que todos haviam ganho o mesmo quando o velho estava vivo, qual seja, uma fazenda para cada um no valor de R$ 100.000,00 e que o que sobrara, tudo, tinha que ser divido por igual também.
Aranha exultou com a briga sem fim onde todos gritavam e ninguém tinha vontade de resolver a pendenga. Isto durou meses depois anos, anos onde todos perderam, menos Aranha.
Aranha apaixonou-se por Lara. Sentiu que ali estava sentada sua alma gêmea. Começou então a conduzir a questão tão somente a favor dela e em detrimento dos herdeiros de seu falecido amigo. Começaram a namorar, ela o seduzindo por interesse, ele por admiração pela sua má natureza, a cada dia mais violenta e inescrupulosa.
Diz o bom senso que é melhor um mau acordo do que uma boa briga. Mas no caso dos cúmplices, os dois votaram pelo segundo: uma boa briga afia os dentes e garras e produz tesão.
Os filhos, herdeiros legítimos, procuraram outro advogado. Foi quando Aranha ficou mais motivado e entrou na briga para valer. Aranha, absolutamente enlouquecido com o poder do mal exercido em dupla, criava mais artimanhas, desvios ardilosos, ações virulentas para defender os direitos de Lara – que ela não tinha – a uma igual herança dos filhos. A causa chegou até o Supremo Tribunal que acabou dando ganho de causa para Lara sob a alegação de que ela dedicou sua juventude ao velho marido, cuidou dele sem enfermeira, noite e dia e que seu desejo, com certeza, era que as fazendas dadas em vida aos filhos deveriam ser contabilizadas igual. Aranha acabou casando-se com a rica e jovem viúva, enquanto os enteados tiveram que se contentar com a versão e não o fato: o pai deles queria sim que não se sentissem preteridos por conta de uma jovem e linda madrasta.
Mais uma vez, Aranha conseguiu triunfar sobre o errado em detrimento do certo.
Há desonestos nesta história? Há ausência de direito da parte de Aranha e Lara?
Eu acho que não há desonestos nesta história, incluso os filhos do velho senhor, aparentemente um bom homem mas ingênuo desconhecedor de que a alma é capaz de urdir o mal com consciência que o está fazendo por bem.