O quarto de um convento é um quarto de passagem no qual se entra, mas não se paga na saída. Se suas paredes fossem páginas escritas de uma revista feminina, estas estariam na seção de perguntas e respostas aos consultores sobre sexo. Porém, como são escritas em papel bíblia, elas castigam quem ali as inscreveu.
Eu ouvi esta história sentado ao pé da cadeira de minha mãe que, por sua vez, a ouvira de uma noviça.
Menino, imaginei a moça olhando pela grade da cela, os passarinhos contra a luz, chamando-a para voar. Eu acreditava serem os freis e freiras anjos que, ao caírem do céu, perdiam suas asas para ficar ao lado da gente mas, naquele momento, vi asas de penas brancas nas costas desta noviça. Imaginei que elas não haviam caído porque ainda queria voar.
Quando a noviça terminou de contar sua história, pela expressão de minha mãe, indaguei-me então se ela não seria o diabo em pessoa.
Esqueci minhas dúvidas até o dia em que fui procurá-la apesar de mamãe a ter banido do nosso convívio.
Escuros anos haviam se passado.
Minha família era tão católica a ponto de termos um grande altar em casa para o qual se rezava três vezes por dia. Minha mãe vestia-se somente de roupas escuras, meu pai servia nas missas de domingo do padre Giuseppe, celebrada em latim. Eu era o coroinha.
Um dia qualquer, ao confessar-me, entendi que o padre Giuseppe não queria, ou não sabia, responder aos porquês dos meus pecados. Eu não estava ajoelhado frente ao confessionário para lhe pedir absolvição por ter surrupiado a bolinha de gude do meu amigo ou por ter comido um pedaço de chocolate proibido. Eu lhe pedia a absolvição por ter brincado de médico com a minha vizinha.
Adolescente, sem retorno para estas assombrações, lembrei de Bernadete, a noviça que um dia ouvi confessando-se para minha mãe. Ela se tornara uma próspera senhora de grandes decotes e seios apenas levemente cobertos com um tule que lhe servia de mantilha. Apesar de não mais usar calça curta eu continuava a ir à missa todos os domingos quando a observava, fascinado com seu porte e beleza. É claro que logo descobri qual a sua atividade, apesar de piosa cristã.
Fui bater à sua porta. Recebeu-me com um sorriso enigmático, um boa tarde caloroso e os seios deslumbrantes. Observei que seu rosto estava mais pintado que aos domingos na Igreja, mas ficou impassível ao saber que eu era o filho de D. Maroca, sua amiga de antigamente. Contei-lhe a história dos anjos e mais, contei sobre os meus tremores noturnos, meus suores diurnos e o pinto que ficava duro só de ver a minha vizinha, de longe, e lembrar da nossa brincadeira escondida. Ouviu com ternura. Senti-me como seu sobrinho preferido. Amorosamente, Bernadete encontrou a forma mais humana para me explicar o que eu vinha experimentando: contou-me porque desistiu de se tornar freira. Descobriu que Padre Guiseppe ao lhe dar a comunhão, sentia algo parecido com o que eu relatava.
-“Tesão, este é o nome certo para os seus tremores noturnos, rapaz.”
Explicou-me que a compulsão de ir ao banheiro para masturbar-me na tentativa de aliviar minha culpa era considerada pecado.
“-Mas sabe rapaz, os padres não podem nos absolver deste comichão porque eles mesmos vivem em pecado.”
– “Um dia, depois da missa da tarde, o Giuseppe adentrou a minha clausura para vir rezar comigo dizendo que vinha para salvar-me dos pecados que eu havia confessado a ele. E não é que salvou mesmo”! – exclamou Bernadete em tom vitorioso.
“Imagine você. Ele não veio para rezar coisa nenhuma. Ele veio para me abraçar e beijar Eu gostei muito, foi tão bom, que nunca mais deixei de querer mais.
Não sei se arrependida por ter me revelado esta intimidade dispensou-me sem mais explicações. Respirei fundo, agradeci, olhei para o céu e vi os passarinhos contra luz chamando-me para voar.
Crianças não se enganam: Bernadete foi um anjo cujas asas não caíram ao aterrizar aqui na Terra. Foi um anjo de asas que me resgatou das labaredas infernais do padre sem asas, o Giuseppe.