“Olá beleza, jovem, moça, linda”!
Com tais adjetivos sou atendida na feira de domingo por homens sérios, empreendedores, brigando com a banca vizinha pela féria do dia. Não posso deixar de sorrir. Não compro na banca em que a cebola está mais barata porque na outra serei chamada de jovem. Quantas vezes eu mudar de banca, tantas vezes me cortejarão para que eu não compre as cebolas da banca vizinha.
Os homens da banca de frutas são um pouco mais ousados e logo vêm servindo uma fatia de abacaxi cortado com canivete afiado:
“docinho, senhora”!
Ou de manga – “especial, linda”!
Os personagens da banca de verduras são mais discretos talvez por serem na sua maioria de origem japonesa, mãe, sogra e filhos trabalhando junto.
O homem que vende coco ralado tem um chamado temporal:
“ Senhora, como antigamente, ralado na mão, não quer levar? “
Eu queria comprar o coco ralado, mas só tinha R$ 50,00 em nota. Valor alto para troco na feira. Não tenho troco, respondo ao vendedor que continua ralando o coco como antigamente
“Não faz mal não, dona, a senhora paga depois, na volta. Pode levar, na confiança!
Peço então para ele guardar o saquinho de coco, receosa de esquecer a minha dívida. Chego à banca de frutas e ouço um grito lá do fim da banca:
“Ó Cabelo”, atende a jovem ai”!
E assim, à vontade, vou me encantando com todas as barracas que me elogiam e acabo comprando além do que queria gastar.
Cabelo, – que faz jus ao apelido com sua vasta cabeleira crespa descolorida (as raízes de cor preta), caindo esgrouvinhada nos ombros, pega o lápis atrás da orelha, o braço tatuado com a figura de Jesus e começa a marcar, com números tortos, os valores e, em questão de segundos, apresenta o total inscrito na tampa da caixa de mamão que acabei de comprar.
Estes homens, além de exímios e eficientes galanteadores, são rápidos na palavra e no cálculo de cabeça!
– Cabelo, digo, gastei mais do que tenho aqui comigo….
– Você tem cheque, tem cartão?
– Não, só dinheiro! E mostro o troco das outras bancas.
– Não esquenta! Faz assim, leva, depois a senhora paga.
– Não é possível Cabelo, eu venho raramente nesta feira. Você não me conhece.
– Mas com a senhora não tem problema, a gente sabe que não vai dar cano!
– Obrigada, prefiro só levar o que dá para pagar.
– Então faz assim: meu filho Paulinho (o cabelo raspado, moleque de 12 anos, tênis, boné virado com a aba para trás, jeans com a metade do seu traseiro a vista, um agasalho no qual se lê em inglês “free again”), mais tarde leva o seu carrinho até a sua casa e lá a senhora paga para ele, – Cabelo, de repente, trocando você pela senhora que sou.
Assim decidido, voltei para a banca do coco ralado como antigamente para saldar a minha dívida.
Uma hora depois, lá estava Paulinho com o carrinho. Ajudou a por toda a compra em cima da mesa sem ser solicitado e ao lhe perguntar se estudava respondeu:
– Tem que trabalhar dona, no sábado e domingo na banca do meu pai. Estudo durante a semana. E seus irmãos, quantos você tem? Meu pai diz que tenho dez, mas da mesma mãe só cinco; moro com a minha tia, ela é professora.
– Por que só você?
– O meu irmão mais velho deu trabalho para ela, a senhora sabe, entrou na droga e ela não queria mais que ele ficasse morando lá.
Quantos anos tem sua tia?
– Ela não é minha tia mesmo, é do meu pai, foi ela que criou ele.
– Mas que idade tem sua tia?
– É velha, têm uns 50 anos…
Fiz os cálculos e imaginei como são precoces, pai, tia e mãe de Paulinho em gerar filhos!
Dei ao Paulinho uma gorjeta maior do que a devida, não porque era mais pobre do que eu, mas porque acreditei na sua história de que está estudando e negou enfaticamente as drogas. Ainda passei uma lição de casa: como ser um cidadão honesto. Cativante, Paulinho sorriu e fez tchau. Fechei a porta e pensei:
A feira é provavelmente o único lugar que se pode chamar de brasileiro. É honesta!
Os feirantes fazem parte do enorme contingente identificado por Sergio Buarque de Holanda como o brasileiro cordial. O brasileiro de risada franca e língua criativa, do samba e carnaval, do jeitinho, isento do cenho de preocupação no rosto.
Para mim, ir à feira, é como o alarde do vendedor de coco: o que sobrou do Brasil de antigamente, Gentileza e Educação!