A QUEDA, título desta crônica, não falará sobre a queda do dólar, a queda dos ambiciosos, dos projetos climáticos, a desejada queda do Putim e tampouco sobre a queda de qualquer um dos dois presidenciáveis. Não falará da queda do terceiro Reich, da queda da intolerância, da colonização continuada, da queda do preconceito, da queda da não inserção social, da queda da incidência, da queda da falta de educação, do câncer, Alzheimer e por aí vai.
Bem, tantas são as quedas e não quedas- conforme o desejo e objetivo de cada um- esperadas para os benefícios e males do mundo (hoje e sempre) que não caberão aqui neste espaço. Assim sendo, menciono uma queda prosaica: o estatelamento numa calçada de Paris.
Sim, a minha! Dizem que sou distraída, que olho os passarinhos, bolhas de sabão, estátuas de mármore com suas vergonhas expostas (criadas no passado em nada comparado com o nosso tempo liberal desde século XXI).
Olho para as árvores que crescem com cores e ramagens diferentes. Percebo as línguas, modos e costumes encontrados nas ruas de cada país.
Ouço conversas, estico minhas orelhas – que já não ouvem mais tão bem – para saber o que se passa pela cabeça daqueles que são desconhecidos – para sempre – para mim.
São recolhimentos fotográficos ou assuntos para as crônicas que, por exemplo, ora escrevo aqui.
É o que dizem de mim. Pior, dizem que não atendo celular, distraída em pensar escrevendo. Verdade que desconheço as técnicas avançadas de comunicação. Mas é de propósito. Escolhi desconhecê-la, o que em nada quer dizer que estou desconectada. O whatsapp, por exemplo, acho uma invenção fabulosa porque não há necessidade de se falar. Permite escrever, – se bem que poucos leem- o que alivia sobremaneira alguém que prefere se dedicar ao azul profundo do mar ou voltar-se para as árvores, passarinhos, caules, bolhas de sabão.
Brevemente, preciso dizer que viajar tornou-se um pesadelo. Chama atenção o mau humor, os empurrões das mochilas sobrecarregadas, a prestação de serviço no limite da obrigação quando não muito abaixo dela. Atrasos e cancelamentos de chegadas e partidas. Transtornos de toda espécie.
Mas voltemos à minha queda em Paris. (O leitor poderá observar a digressão feita para chegar ao motivo principal desta crônica…sou distraída, mas como não o ser com o mundo tão cheio de distrações figurativas, emocionais, abstratas, reflexões e observações? )
Em torno das frondosas árvores dos boulevards de Paris abrem-se grandes circunferências para que suas raízes tenham para onde se expandir. Há uma borda para conter a terra e as pedrinhas que se encontram dentro desta circunferência. Pois bem, a ponta do meu sapato – aliás tênis – enganchou na borda e lá fui eu aterrizar do outro lado. Há um detalhe curioso: havia jovens sentados nas mesinhas da calçada – hábito antigo de todos os bistrôs daqui e agora nosso também – que não me acudiram . Mas dois senhores, fortes e belos, imediatamente vieram em meu socorro.
( Pena que eu sangrava copiosamente pelo nariz!). Certa de que havia quebrado o nariz ou mesmo minha considerada bela face , só tive como presença de espírito repetir :
– “Merda, Merda, Merda”.
O que restou desta experiência? Vergonha! Muita e profunda vergonha perante a mim e aos transeuntes. Uma sensação de limite absoluto e a consideração que talvez, de fato, melhor eu não me distrair com passarinhos, árvores, mar e bolhas de sabão!