Passa um avião no céu, olho sonolenta pela janela fechada do carro. Com o outro olho, estou atenta ao iPhone. À minha frente, carros demais, gente demais. Ambos parados.
No ponto, pessoas de olho na avenida à espera do ônibus, teclando nos seus smartphones.
Um olhou, se o filho já voltou da creche; outro ligado num celular dentro da cadeia. O olho da avenida sabe que o ônibus vai demorar.
Já sentada à mesa com uma amiga para almoçar, ouço um palavrão ao lado, um olho pregado no smartphone, o outro no garfo, dizendo, pressuponho, para alguém detestável: ”foda-se”!
No meio do almoço, minha amiga recebe uma ligação. Levanta e sai para a calçada com seu iPhone cuja capa dourada tem uma escultura feminina protuberante, salpicada de brilhantes e rubis. Lembrei que ela acabara de chegar da Disney e tenho certeza que foi lá que adquiriu tal assombro de inutilidade. Enquanto fala ao bloquinho dourado acena veemente, com a mão esquerda, indicando para eu continuar a almoçar. Dá a entender com caretas, que não vai demorar. Quando finalmente desliga, eu havia almoçado sozinha. A sua comida ficou no prato.
Entre o cafezinho e a conta, num relance, voltei à Avenida. Ao avião que vi passar, silencioso em céu de brigadeiro e às pessoas esperando por algo que demorava a chegar. Seus iPhones, smartphones, celulares presos ao ouvido, os dedinhos escrevendo algo que jamais saberei para onde foi enviado.
Tive vontade de jogar o meu iPhone no buraco aberto pela Sabesp, mas este protesto seria ignorado, pois além de ficar tão abandonado quanto a minha cidade grande, ninguém saberia que tinha sido meu.
Muito bom e absolutamente na môsca. é impressionante que com o advento do smartphone não se conversa mais, é só digitar no FB, falar enquanto come e outras versões do total desinteresse pela pessoa com quem se está. É mesmo bem triste esta realidade, para não falar to Twitter à la Trump !