Confabulando entre dois mundos, senti-me um benjamim.
Benjamim é aquela peça que plugamos em uma tomada, com três pontos nos quais podemos inserir mais três correntes elétricas.
(Não saberia por que esta insignificante, mas indispensável peça, que rola pela gaveta na maior parte do tempo sem uso e que nunca encontramos quando mais se necessita, leva o nome de benjamim). Necessitamos dela sempre na emergência. Numa festa, para fazer uma extensão do fio do abajur até o som; quando temos que bater algo no liquidificador e, simultaneamente, usar a torradeira, enquanto estamos passando roupa).
Eu vinha voltando a pé para casa depois de um almoço com filhos e netos numa lanchonete barulhenta. Comi um hambúrguer para não ter que confessar ao
meu neto preferido, feliz com o seu, que eu odeio, não só lanchonetes, falsamente ambientada nos anos 50, mas também hambúrgueres.
A calçada estava suja com coco e xixi de cachorro, restos de comida que vazaram dos lixos, deixando para trás um rastro escuro de mau cheiro. O dia muito quente. Apressei o passo para logo chegar em casa. Foi quando passei pela loja de bolsas, outrora Casa Yara, a “minha” lanchonete nos anos 50, onde meus pais me levavam para comer um doce aos sábados. O meu preferido era o chamado “tête de nègre”. Eram duas almofadas de bolo emergidas no chocolate e entre elas uma montanha de creme chantilly. Este doce brilhava como a careca de um homem negro. Também tinha sanduíches e café gelado que me era permitido beber.
Lembrei-me da Casa Yara e as divisões de madeira entre as mesas criando nichos privativos. Nestas divisórias liam-se gravações incisas por namorados que registravam a sua passagem: geralmente um coração atravessado por uma flecha e gotas de sangue pingando. Não gostei de ter sentido saudades de um tempo que já foi. Foi quando me senti um benjamim. Plugada na tomada mãe, eu mesma. À direita do benjamim, conectada com o passado, à esquerda com o presente, e na parte superior, em cima da minha cabeça, o futuro.
A força mãe alimentando estes filhotes do tempo.
Meu pensamento continuou: caso eu fique ligada no passado, não vou entender as transformações no presente. Se temer o futuro finito, vou ter que encontrar um esconderijo. Já chegando em casa, conclui: se não souber desconectar-me à direita, não entender o plugue à esquerda e fugir da tomada acima da minha cabeça, tornar-me-ei um benjamim anônimo, de cor cinza, sujo, rolando numa gaveta, repetindo para ninguém ouvir que o passado é que era bom porque vivíamos para construir o futuro.
Deixei de ser um benjamim, resguardei-me na energia mãe, sem entender porque o tempo que vivo não é mais “tempo vivido”. Porque o tempo, à direita, à esquerda e na minha cabeça deixou de existir? A qual estranho fenômeno estamos submetidos onde o tempo não é um benjamim?