O criador da bomba atômica e a boneca loira têm um ponto em comum: são divisores históricos. Dois momentos justapostos: o antes e o depois da Segunda Guerra mundial.
Coincidentemente ou não, os dois filmes, Oppenheimer e Barbie, são lançados simultaneamente sendo que ambos são campeões de bilheteria. O fato permite uma digressão.
O efeito Barbie traz de volta a ilusão do bem – estar e o esquecimento do horror das guerras para os baby boomers* dos anos 60.
Barbie planta, no seio da família, o latido do cachorro que solta bolinhas de cocô, a casinha decorada em estilo americano, tudo somado às modernidades elétricas adquiridas no pós guerra e… o rosa, o rosa que tem como objetivo incurtir vida e esperança após o cataclisma da bomba atômica descarregada no Japão. Espalha-se uma quimera: o rosa da felicidade, da paz e do amor!
As transformações ocorridas a partir desta linha divisória seguem até os dias de hoje, tanto em relação ao conceito e prática de guerrear quanto às mudanças ocorridas nos hábitos e costumes ao redor do mundo.
Entre o final da Segunda Guerra Mundial, a guerra fria que se seguiu, os movimentos violentos a favor do término da guerra no Vietnã; entre a revindicação dos hippies pela liberalização sexual, o auditivo feminismo no auto falante; entre as mudança das relações, hábitos e costumes e a explosiva luta racial, eis que nasce um casal feliz e assexuado, Barbie e Ken!
Por um lado, o filme Oppenheimer pode estar sinalizando que não se cancele o perigo e a devastação que a bomba atômica representa. Ela existe e não deixa a humanidade dormir em paz, caso um suicida decida apertar o botão vermelho.
Por sua vez, na cena final do filme, quando Barbie vai ao consultório do ginecologista entende-se que ela deseja ter uma vagina. Neste momento decisivo, sem subterfúgios, a mensagem explícita, induz a concluir que se cancele, de uma vez por todas, a mulher/boneca. A simbólica mulher de antigamente, arrumada, linda, magra, dentes brancos, loiros cabelos brilhantes e que não envelhece. O plástico cor de pele, substituído por uma mulher, finalmente, total e completamente empoderada, uma mulher que pode não só desfrutar do prazer sexual como da liberdade absoluta de ser gorda, dentes amarelos, cabelos mal cuidados e… envelhecer.
Acontece, porém, e aqui vai minha crítica contundente ao cinismo que ambos filmes representam.
Oppenheimer, cientista brilhante, acaba passando para a história como o único responsável pela morte de milhões de pessoas. Sabe-se, contudo, que ele é vítima de uma trama de interesses e egos mal disfarçados.
No caso de Barbie, Ken foi simplesmente excluído da cena final. Subliminarmente fica implícito ele ser absolutamente desnecessário como parceiro de uma mulher pois subentende-se que ele continuará sem um pênis.
Ken, o ser masculino, durante o transcorrer do filme, é colocado como homen / boneco, bobo e incapaz, estéril de pensamentos e assexuado, ao lado de uma mulher empoderada que declara, sem mais rodeios, querê-lo apenas como amigo!
Pergunto sobre uma hipótese absurda: O esperma não será mais necessário para a procriação? Digo, o mundo será fecundado por valquírias/mulheres, cientificamente preparadas para gerar mais mulheres num universo com o objetivo de apenas elas reinarem?
E aqui, a hipótese mais plausível: será que está ocorrendo uma vingança das mulheres, “por tantos anos”, subjugadas – em sofrimento – pelo machismo ainda latente no comportamento dos homens em relação à mulher?
No meu entender, o risco do discurso aguerrido do feminismo pode estar desmasculinizando o homem enquanto a mulher, empoderando-se, poderá carregar o mundo nas costas.
Sozinha?
Nem Barbie nem Oppenheimer têm um final feliz. E assim seguem as coisas na vida real: contraditórias e ambivalentes.
*Pessoas nascidas após a 2ª guerra mundial