Sofro de uma paranoia, confesso: meus olhos se fixam em notas de rodapé e nas cartas dos leitores quando leio os jornais. Estes espaços nada contêm de “importantíssimo” comparados às notícias do dia e aos editoriais longos e pedantes. As informações, aparentemente sem importância, são pílulas de notícias com começo, meio e fim. De forma concisa e merecedoras de apreciação, relatam como certo fato afetou as pessoas. São escritas de forma direta e simplificada, principalmente as cartas dos leitores.
Sobre estas notas gosto de hilarizar mentalizando um possível desfecho futurístico. Fico no aguardo e geralmente me inquieto sem saber por que, mas tenho certeza de que nas cartas dos leitores há uma verdade a ser pesquisada mais a fundo.
É, sem sombra de dúvida, a voz do povo falando!
O tema , às vezes, fica boiando na minha cabeça à espera de novas conexões que contarão então por que, lá atrás, uma determinada opinião de alguém “do povo”, fez sentido para mim. É um hábito que se encadeia com um fato e a realidade – apesar da realidade nem sempre representar a verdade enquanto na mentira sempre há uma verdade escondida!
Assim ao recolher detalhes, nas cartas dos leitores, sobre a aflição, certezas e / ou dúvidas cotidianas, sobrepõem-se a mim uma espécie de preguiça e falsa sabedoria. Um cansaço vazio! Nasce um sentido de antigo, do dejá-vu: o povo não sensibiliza aqueles a quem, na verdade, é dirigida a pergunta ou o pedido de explicação para um determinado fato. O indivíduo que se deu ao trabalho de expressar o que pensa, sonha ou deseja, fica sem resposta condizente ao seu direito. Reajo fortemente tornando-me cúmplice das reclamações e das defesas destas vozes do povo. Caso as mudanças no status quo não forem de grandes proporções, visíveis, comentadas e custosas, as pequenas e contínuas transformações não alcançam a rápida corrida dos acontecimentos que mais se assemelham a mamutes enfurecidos galopando soltos na planície, anulando e destruindo obstáculos naturais que protegem o homem da violência do grupo.
Um ponto de frustração significativo, suponho, é não haver mais espaço para o recuo. A globalização criou o impossível: o retorno ao “antigamente era assim!” A saída? Remendos contínuos entre ambivalências.
Há sucessos previstos e insucessos não previstos na globalização, mas a verdade, para mim, continua nas entrelinhas, no imperceptível, nas cartas dos leitores, no dia a dia que os afeta. As cartas e notas de rodapé, (artigos curtinhos), nos esclarecem sobre o que realmente importa nesse mundo cheio de promessas e soluções que não funcionaram para a “voz do povo”, ou seja, a grande maioria da humanidade.
Pressupunha-se que a Globalização distribuiria mais equitativamente a Riqueza, o Conhecimento e a Cultura. Mas não é o que está ocorrendo. Ela globaliza a banalização, a superficialidade, a falta de interesse para informações estruturais do conhecimento, deixa de individualizar o saber. Acordou sim, vozes antes silenciosas!
Onde desembocará esta corrida de mamutes desembestados? É uma incógnita, mesmo para aqueles que a projetam e a produzem em laboratórios de altíssima e sigilosa tecnocracia.
Se nos atermos um pouco mais às cartas do leitor aos jornais, às notícias e às informações de rodapé, creio ser possível nos aproximar de uma realidade: o mundo, “as coisas” como dizem, se cristalizam muito mais lentamente do que imaginamos nesta corrida de mamutes numa planície. O Tempo em si, portanto as transformações no tempo, decorre lentamente porque as respostas que buscamos não são respondidas de imediato.