Embaixo do chuveiro me ocorrem pensamentos bizarros. Hoje, lembrei-me de Charles Chaplin, o criador de filmes que ilustraram, com precisão visionária, os principais eventos históricos do mundo moderno.
Chaplin revelou a pobreza na figura do inesquecível vagabundo nos anos de depressão nos Estados Unidos. Seu inimigo foi representado por um homenzarrão cujas más intenções ficavam claras nas grossas sobrancelhas e barriga protuberante de um guarda com cassetete atrás das costas. Também o ditador Hitler, deitado de costas, rolando o mundo aos seus pés passou pelo seu crivo.
Em Chaplin, filmes da década de 30 comunicam-se até hoje comigo. Mudos, dispensavam a palavra para denunciar, com humor e bom gosto, as transformações históricas reais.
Sem som e efeitos especiais, a genialidade deste mestre era reter a atenção do expectador nos movimentos dos atores e nos relatos silenciosos da situação do momento. Atenção dada à expressão corporal e caricata das virtudes e sentimentos em nós. Ao abordar temas explicitados em ações no exercício diário da vida, passava o sentido da ética. Expressava a alegria de um beijo roubado, tristeza e decepção de sonhos não realizados, penúria ao cozinhar a sua bota para uma sopa. Era como tocava, com realismo chocante, o coração atento do expectador. Vergonha, generosidade, lealdade, injustiça, mágoa, eram expressas com amorosidade.
Com o filme Tempos Modernos Chaplin atinge o ápice da sua arte como visionário genial.
No gesto mecânico do operário numa fábrica de motores produzidos em série, o operário acaba engolido na engrenagem de uma gigantesca arruela.
Teria Chaplin conseguido traduzir, apenas com o recurso dos emogis de hoje, o estado de espírito e a experiência de vida do imortal, gentil e educadíssimo vagabundo de bengala e chapéu?
Creio que a era digital avançará até o ponto em que o Homem dispensará o Homem para comunicar sentimentos mais complexos e abrangedores da vida.
Como reconhecer, no virtual- ismo e nos emogis, a capacidade de transmitir as peripécias que vive a alma?
Pergunto-me como Chaplin ilustraria nosso tempo.
Seria através de uma sequência de emogis, símbolos infantis de paz e amor?
Uma lágrima, um sorriso azedo, o beijo carnudo, um coração vermelho que ama?
Não acredito!
Acredito que seu filme ilustraria, através de um enredo politicamente incorreto, o mal feito do pensamento politicamente correto. Imagens banalizadas pelo patrulhamento da ignorância. Ausentes nas expressões faciais, a expansão da violência. Os personagens usariam máscaras deformadas como no filme Mad Max, ilustração da banalidade do mal, sem face heroica, a coragem triturada em cenas inverossímeis.
Creio que seria um filme visionário, mudo, massacrando o espírito de humanidade em nós.
O saudosismo não faz parte deste meu pensamento. Não posso. Tenho cinco netos!