Desde criança não gosto de acordar. Só não era um sacrifício porque, apenas amanhecia entre um cochilo e outro, punha-me a pensar sobre a vida, sempre acompanhada da preguiça sem culpa, vazia, aquela que faz a gente ficar conversando com a alma que não dorme e pergunta se ela existe.
Não gosto de ter que levantar da cama deixando entre os lençóis este imaterial diálogo para partir para o viver.
Hoje, o bocejo me acorda não mais vivendo no espaço único e simples do meu quarto de criança, mas com idade suficiente para construir a memória que acalentará o momento seguinte.
Penso nos quartos em que já dormi. Quartos que permitem ouvir silêncios, desenhar sombras, gravar ou renovar lembranças. Sem donos, as cortinas e colchas dão a sensação de desbotadas. Encapsulados num espaço finito e reservado, elas são testemunhas de segredos.
O meu segredo, ao amanhecer neste quarto, é olhar em torno e ver, à esquerda, uma mesa, um abajour, um vaso de uma flor. Minhas coisas todas espalhadas dizem que aquele quarto sempre fôra meu. Não era!
Uma lágrima grossa molha o travesseiro alagando meu coração, mas não secará. A noção de que existo é sentir a terra sempre úmida.