Busco um arquivo nas várias gavetas entreabertas da minha caixa preta! Ela não está conseguindo cuspir as imagens que procuro. Queria definir expressões faciais das pessoas que amei. As que expressavam brilho nos olhos, o sorriso no canto da boca ou a risada altissonante.
Sei apenas que os olhos do meu pai eram azuis. Os da minha mãe, castanhos.
Não registrei o que os olhos dos meus pais queriam dizer para mim.
Observava dentes. Se os dentes não estavam dentro daquela boca estariam em qual outra? Era engraçado separá-los do resto do rosto e colocá-los em boca alheia como as crianças que brincavam com uma caixa de chocolates estampada com diferentes caras e corpos, bastava puxar uma lingueta e a tirolesa virava um homem de bigodes com saia. (só tinha na loja Kopenhagen dos anos 50). Aparecia uma peruca em homem ou cachimbo na boca de mulher para depois inverter os desenhos. Era mais divertido retirar das figuras sua identidade do que comer o chocolate.
Uma vez me deparei com uma dentadura na mesa do dentista, muito branca, ausente de vida. Ao ver, pela primeira vez, que na boca do pobre faltavam todos os dentes fiquei chocada. Foi o despertar para o fato de que havia pessoas que podiam cuidar dos seus dentes e outras não.
Naquele momento ainda tinha todos os meus dentes de leite na boca.