São Paulo é deveras uma cidade cosmopolita em sua confusão grandiosa e irregularidades visíveis e invisíveis – que aqui não cabem serem mencionadas.
A meu ver é uma cidade feia com seus prédios de alturas desiguais e arquitetura que imita a arquitetura grega, parisiense, turca ou indefinida na maioria das vezes. Vai daí aos ultra modernos prédios espelhados de cima abaixo com suas entradas monumentais até os modestíssimos cubículos de apartamentos convivendo lado a lado com esses grandiosos monumentos.
Cores, formas, tamanhos, suntuosos ou decadentes,
meu olhar se cansa e se incomoda sem que eu perceba.
Uma cidade onde pessoas dormem a céu aberto tornando as calçadas muitas vezes intransitáveis por conta de colchões e cobertores doados e abandonados, sujeira que inspira asco, tristeza e revolta.
Há outra cidade na mesma cidade onde vivem os muito privilegiados e ainda outra cidade, nesta mesma cidade, com extensa população, que mora em apartamentos modestos e em ordem. O furor imobiliário, provavelmente necessário em vista do crescimento deste conglomerado de gente, vem derrubando , de maneira rápida, casas modestas de bairros mais populares que no passado podiam ser identificados como um bairro de classe média trabalhadora. Ao sumirem do intrincado mapa da cidade , elas deram lugar a construções de prédios despretensiosos, altos, com dois ou quatro apartamentos por andar, financiados, espalhados pela megalópole. É sobre as pessoas que moram nesses prédios que eu gostaria de lembrar aqui.
Eles certamente são trabalhadores em tempo integral , mas que num domingo frio e ensolarado de São Paulo, foram ver o que se oferecia na Feira do Livro montada na praça Charles Miller em frente ao Estádio do Pacaembu (um dos último exemplos do estilo Arte Decorativa – meados do século XX paulista ) – que a Prefeitura e as construtoras ainda não conseguiram aniquilar.
Os muitos visitantes desta Feira de Livros, suponho, são os moradores desses apartamentos que eu ousaria dizer como sendo a nossa classe média laboral, um dos potentes motores que produzem o que ainda podemos chamar de Brasil em progresso. Vestidos com jeans, moletom, tênis e colete acolchoado, enfim, roupas sem marcas identificáveis, eles se mostram interessados nos mais variados conteúdos dos livros oferecidos, capas belamente ilustradas, preços bastante acessíveis, autores nacionais e estrangeiros à disposição de todos.
Estes moradores dos prédios de tamanho suficiente para se viver modestamente bem, jovens casais, estudantes, casais gays, trans, solitários, pais com seus filhos, cachorros e gatos visitavam os estandes, comiam hambúrgueres, paravam para folhear os livros, faziam fila para pagar os livros desejados.
Enquanto uma senhora e eu esperamos a vez de pagar nossas compras, entabulei uma conversa. Ela empurrava um carrinho de bebê e dentro dele um gato angorá branco, paraplégico, que tinha um olho verde e outro azul. A fila era grande, tive tempo de ouvir a história completa.Esta senhora cuidava de 12 gatos com problemas físicos graves.Perguntei se vivia de doações e surpreendeu-me ao dizer : – “ou eu posso cuidar deles porque são meus ou não posso. Eu trabalho e ganho o suficiente para nós”. Na mão, o livro “Entre Rios, Voos e Ventanias” da Oralituras que conta a história de uma mulher da periferia de Manaus que ousou sonhar, resistir e empreender.
Enquanto aguardava na fila, em outro estande, iniciei uma conversa com um homem com três livros embaixo do braço.Um sobre cerveja e o que comer junto e dois livros infantis. Novamente surpreendida, não ousei perguntar se ele era dono ou trabalhava em bar, mas primeiro perguntei porque os livros infantis em inglês? -” são para minha filha. Quero que ela fale inglês.” Um pouco mais à vontade perguntei qual a sua profissão:- “sou vendedor de material hospitalar”! E mais confiante ainda perguntei sobre os livros de cerveja. Ele responde: – para me distrair um pouco quando chego em casa”.
Não tive oportunidade de conversar com todos que compravam livros, mas não eram poucos os visitantes que carregavam uma sacola cheia deles.
Perguntei-me se podemos ter esperanças de ainda vir a ser uma Nação menos problemática? Sabemos ser um país cheio de diferenças indomáveis; um país sem uma perspectiva de longo prazo confiável.
Pensei que, ou somos todos desinformados quando se afirma que no Brasil não se vendem livros , ou temos boa fatia da população silenciosa ignorada em seu poder de mudanças ao buscar leitura que ensine ou faça entender o que se faz necessário transformar por aqui.
É possível deduzir, pelos títulos dos livros expostos, que há fome de conhecer, de ensinar os filhos, fome para proteger pessoas, animais, florestas. Vontade para explicar porque a África é nossa irmã na escravidão, porque da pobreza colonizada, das diferenças abismais de oportunidades e tantos outros assuntos fulcrais que identificam e explicam e, assim, podem relacionar as causas e as consequências das ações impetradas por homens e nações através do tempo da História.
Deixei o local com renovada esperança!