Mortes de pessoas públicas têm se sucedido e sobre este fato não sei definir, cristalinamente, o que sinto.
Não chega a ser grave porque pode ser compreendido pela realidade de como a vida é. Uma sensação que flutua entre poderosa e menos poderosa. Não é agradável, incomoda. O mais próximo que chego é a uma melancolia instantânea. Ela trespassa a alma de uma espécie de calafrio, apesar de durar segundos, o efeito é perturbador.
Este fenômeno começou com a morte da rainha Elizabeth. Obviamente não a conheci, nem de longe, porque quando visitei Londres ela não me viu, mas ela causou um tempo mais prolongado de calafrio melancólico instantâneo. Nomes de pessoas proeminentes causaram calafrios, (ou deveriam ter causado por sua importância no rol do bem ou do mal) . Por exemplo, Mandela. Não dividia com ele a mesma intimidade que dividia com a rainha, mas o acompanhei. Einstein, outro exemplo, conheci a sua língua sem entender nada de gravidade. Lady Di, ao contrário, causou incomparável mais calafrio do que a rainha Elizabeth. Por que ela era especial? não saberia, – seria pela comoção que um príncipe causou a ela? Ayrton Senna, outro ícone. Seu olhar nos persegue por que dele emanava vida, apesar de correr a 400 km\hora, consciente que poderia morrer na curva seguinte. Mas os sintomas de seu desaparecimento – mesmo admirando-o – foi bem mais fraco.
Mas, com a morte de Gal Costa e de Rolando Boldrin não senti apenas o calafrio da melancolia instantânea, senti um vazio acumulado tremendo. Não conheci a Gal – eu a vi uma vez no palco, à distância, a ouvia de quando em vez e pouco sabia da sua vida pessoal.
O Boldrin vi uma ou outra vez quando ainda se assistia o canal de tv aberta. Não voltei a ligar a tv, mas simpatizava por ele ser tão nosso, tão brasileiramente tradicional.
Quando um amigo, no mesmo dia da morte deles, me disse que iria a Belo Horizonte para assistir o último show do Milton, me invadiu uma ideia perturbadora: a última vez! O que quer dizer: não haverá mais – mesmo ele continuando vivo.
Os três eventos são mortes! São a última vez! Os modos de amar diferem:
senti um vazio sem reposição, ao perder para a morte quem eu amava e até hoje tenho saudades. Sinto a ausência de pessoas que já amei, mas ainda vivem. Mas eu não amava nem Gal, nem Boldrin. Não amo Milton nem tampouco a rainha Elizabeth ou Senna. (Curiosamente há um sentimento por Lady Di que perdura, mas não é amor, nem ausência nem saudade. Provavelmente porque personagens míticos como ela, tem o poder de se manterem vivos na imagem idealizada de uma liderança – aliás minguante ultimamente!)
O assunto aqui não é a morte, como dizem, morrida. O assunto é: enquanto estou viva, a geração com a qual convivi no mesmo Espaço e Tempo, com a qual dividi a mesma História e transformações neste “estar”, este “lugar”, nada disso está mais “vivo” no meu tempo presente.
Me dei conta, em um único dia, com a morte de Gal, de Boldrin e o último show de Milton, que o Tempo e o Espaço são reais. Ambos existem! Iniciam-se com o nascimento de uma geração que ocupa um espaço e se encerra no meu tempo.