“A verdade sempre chega tarde demais porque ela anda mais devagar do que
a mentira. Ela vai sempre lenta, a verdade”!
Este essencialmente humano e belo livro da escritora Maryse Condé – que li de enfiada – tem como subtítulo: A Bruxa Negra de Salem.
Tituba, a negra, é uma escrava que conta – com as suas cicatrizes impregnadas na alma – a história de sofrimentos, prazeres e luxúria do seu corpo que tudo sente. Ela vive a mais triste passagem da escravidão no Novo Mundo, navegando entre as crenças que tomou para si e a cura que viu acontecer com suas poções mágicas que aprendeu a misturar conversando com o mundo invisível. Sua bondade é ingênua e seu coração revoltado.
O livro nos ilustra sobre o rígido código puritano no mundo recém descoberto do século XVII, invadida por franceses e espanhóis, mas, quem veio para ficar nas ilhas do Caribe, de fato, foram os ingleses adeptos ao protestantismo calvinista, fugidos da Inglaterra quando das revoluções entre 1640 e 1688……
Lido entre as linhas, Eu,Tituba, permite pensar que a calunia e a difamação – tanto contra negros como contra brancos durante o domínio colonial inglês – fez o domínio português no Brasil, no mesmo período, ser o purgatório para os negros na mesma condição de Tituba.
Chicotadas, degradação e perseguições aos negros não diferem entre si nos países colonizados da época.
Mas, enquanto o preconceito enraizado nas regras sem perdão do puritanismo visava tanto negros quanto brancos, o preconceito infiltrado no dogma religioso na Terra Brasilis pelos jesuítas portugueses, o pecado da violência quanto ao açoite de negros, era perdoada no confessório, permitindo a repetição. Para os puritanos não havia perdão, apenas a forca ou fogueira, única maneira de extirpar o demônio do corpo infectado por ele e suas diabruras.
As bruxas de Salem é um fato histórico. Existem registros das audiências e processos ocorridos em Salem, condado de Essex, Massachusetts, nos anos 1692 e 1693. Tituba foi uma das acusadas, mas recebeu o perdão por ter acusado duas outras mulheres de exercerem bruxaria.
Esta pode ser uma maneira de ler Eu, Tituba, bruxa negra de Salem. Outra seria identificar a perversidade no exercício da intolerância implacável, ou ainda, com um olhar amoroso sobre a alma desta mulher inteira, benevolente, ingênua e perspicaz ao mesmo tempo, uma mulher que consegue formular sua perplexidade ao concluir que:
“A verdade chega sempre tarde demais”!