A Baleia
Muitas das passagens do impactante filme A Baleia embutem o não dito, razão pela qual o principal personagem, merecidamente, ganhou o Oscar.
Saí ouvindo muitos comentários de que o filme, A Baleia, era horrível: “Não gostei” “um absurdo”!
Suponho, ser justamente o repulsivo – filmado – que nos faz sentir isso!
Mas eu não li assim:
Saí do cinema perplexa pelo que o filme tem de inusitado ao trazer algo do grotesco que habita nossa realidade humana.
A história se desenrola em um único e lúgubre ambiente, como no teatro.
Logo, na primeira cena, o personagem principal se masturba.
(De fato, assistir um homem grotesco e imensuravelmente gordo em sua intimidade incomoda a qualquer um!)
Talvez, a intenção de chocar visualmente seja a razão de nem todos gostarem do filme, que segue, intranquilo, em frente.
No caminho de casa, minha reflexão passou para o sentido que se dá ao politicamente correto e não correto.
O filme poderia explorar o politicamente incorreto ao nos apontar “o errado” sobre o processo de engordar e daí, recair, ou no problema de saúde emocional, ou sublinhar a fraqueza do gordo, aquele sem controle sobre si, repulsivo ao grotesco.
(Não deixa de ser uma clara crítica ao politicamente correto reivindicado pelas “baleias americanas” na sua condição de gordos felizes).
O título A Baleia, designa um animal mamífero. Talvez a intenção seja nos dizer que somos todos iguais frente à uma dor insuportável: a morte de um companheiro que se amou, entregando-se a comer, comer, comer, desenfreadamente, para alimentar essa dor. O homem baleia sabe que sua saúde está em risco, mas quer morrer. Qualquer tentativa de ajudá-lo é inútil.
Digno de nota, a passagem da gaveta abarrotada de chocolates: esta cena insinua que ele está consciente do mal que causa para si, pois vai comê-los, mas devolve-os à gaveta e a fecha para depois abri-la e, sim, comer o chocolate. Acredita que alimentando a dor, ela se acalma e melhora sua angústia!
Ali vemos, com crueza de carne viva, a última condição humana de um SER.
Sabemos todos que não empatizamos com o estado d’alma de um comilão. E, talvez, aqui reside outra denúncia: a intolerância ao que não é igual a nós.
Nossa bondade vai até a avaliação, complacente, de que “ninguém é perfeito”!
O homem baleia é um homem culto. Professor de literatura online, generoso com seu saber e que deseja transmiti-lo aos alunos. Continuadamente, enquanto ensina, insiste ser necessário ter coragem para encontrar o seu lugar ao escrever e, para reforçar tal convicção, afirma mais de uma vez que seus alunos precisam “ser verdadeiros consigo mesmos”. Portanto é possível deduzir que ele está sendo verdadeiro consigo mesmo, – e esta seria a prova final do filme – ao se desnudar perante os seus alunos. Desnuda o grotesco ao se apresentar de corpo inteiro a eles.
(Durante todo o filme a tela permanece negra, até este momento, os alunos só ouviam a sua voz).
Qual a história do filme?
O homem baleia larga a mulher e a filha para ficar com um homem, justificando-se, “fiz porque amei”. A meu ver, esta frase faz eco com sua afirmação: “ser verdadeiro consigo mesmo!
O moço que chega com a bíblia quer salvar a baleia através do “Deus é nossa salvação”. Contudo o roteirista acaba nos informando ser essa uma mentira: o moço não foi salvo por Deus e sim pela filha da baleia.
(aqui também uma possível denúncia às organizações religiosas, americanas, pentecostais.)
A enfermeira faz o papel de amiga, irmã do amante da baleia. É autoritária e rude com o personagem e ao mesmo tempo condescendente e amorosa perante a impotência de quem ela está cuidando.
A filha, uma escritora nata, adolescente guerreira. Vamos entender seu comportamento durante as duas horas do filme.
É necessário empatizar ao lidar com filhos adolescentes flechando a culpa nos pais. Mas este pai o faz com enorme habilidade afetiva verbal.
A mãe é uma figura gravemente afetada pela intolerância. Discute com a baleia sobre o passado, presente e futuro, uma conversa entremeada com poucas respostas do ex marido que tem rara noção da realidade das “coisas da vida”.
O homem baleia não aceita a teoria da mãe de que a filha é má; acredita na filha, mesmo ele tendo feito “errado” tem certeza que acertou e enfatiza: ela será uma excelente escritora! Esta passagem, mais uma vez, nos apresenta que sua convicção, o “ ser verdadeiro consigo mesmo” é de verdade.
A Baleia é um filme ousado que expõe nosso comportamento conflituoso, ora contraditório, ora ambivalente, ora agressivo, ora amoroso. Não é um filme de terror!
É um filme singelo, ao menos foi assim como li o seu conteúdo.
Poderia, quando muito, exemplificá-lo como exagerado e mesmo anti estético, mas, com certeza, também é uma denúncia da excessiva e histérica busca da perfeição do corpo hoje em dia.
Ao acender das luzes, fica claro quem é esse ser humano, tão realisticamente imperfeito, grotesco para o mundo: ele é um homem bom!
Haverá quem pense assim, haverá os que discordam, porém, se não for por nada, o filme pode ser considerado emblemático dos nossos tempos.