Caminhando pela descida que levava até um buraco escavado, reduzida a pensamentos terrenos e embaralhados que a ocasião propiciava, cheguei até a beira de uma cova. Acabara de aprender um sentimento novo: na religião judaica, corta-se, do enlutado, um pedaço da roupa, na altura do peito. Quando perguntei porquê, o meu interlocutor explicou que a pessoa – no caso minha amiga que acabara de perder sua mãe – simbolicamente, com o corte, abre seu peito para deixar o grito de dor passar. Achei a imagem muito linda, simples e eficaz.
Como quando se faz um chá de folhas e o vapor colore a água, meus pensamentos pareciam infusionados à luz particularmente clara deste dia.
O meu olhar velado procurava se distrair na visão longínqua que momentos em cemitérios propiciam, imersos em busca da eternidade. Ele resvala sobre túmulos geometricamente enfileirados, num campo onde tenra grama crescia. Imersa na atmosfera etérea, esqueci-me de perguntar por que ou para que serviam as pequenas caixinhas incrustadas em todas as lápides de mármore.
Já fui a enterros no quais chovia muito e o preto dominava nos guarda chuvas. Mas mesmo em dias claros como aquele, tanto a luz quanto a escuridão se transformam em branco. Imagino ser este o momento em que nos incorporamos na parada do ar e morremos. É no cemitério que a inevitável finitude toca os mortais. O silêncio que se vivencia à beira de uma cova é diferente daquele quando as pessoas param de falar numa sala cheia de gente. Enquanto na sala é possível definir se é um silêncio de constrangimento, de alegria ou até chato, quando estou num enterro ouvimos um silêncio frio que pergunta, mudo, mas só recebe de mim como retorno o meu próprio silêncio. Ele não é criado pelo humano. É o silêncio na hora da criação da Vida.
Enquanto os vivos iam jogando enxadadas de terra – da terra que vieste e à terra retornarás – por sobre o caixão, senti uma alegria imensa. Não a de estar viva e alguém morto no meu lugar. Mas a alegria de reconhecer a Existência, só com um começo sem fim.
Este sentimento também se envolveu na luz radiante daquele dia, olhei para o céu e vi as nuvens correndo atrás do firmamento assim como todos nós, fugazmente, no enterro de outrem, buscamos um sentido para o cenário que presenciamos.
Não tenho medo de morrer, só do Principio do Nada.
Lindo texto, para nos fazer reflectir!
Obrigada e parabéns!
Obrigada Maria Celeste. Nao a esqueci. Mas aproximava o fim de ano. Sempre fico esquecida de tudo para nao lembrar
o que tenho que fazer, a cada ano, repetidamente, ao final do ano.