“Mamãe, olha um Papai Noel preto”, exclamou a criança, apontando para ele, embalado numa caixa de celofane, na prateleira do supermercado. Segui o dedo da criança, tão espantada quanto ela, apesar de ter sete vezes mais que sua idade.
Tanto esta criança, nascida no século XXI, quanto eu, nascida no século passado, só conhecíamos a figura do Papai Noel barrigudo, barba branca, cuja cara rosada e bochechuda estampava um sorriso de eterna felicidade. A menina sumiu com a mãe que não parou diante da perplexidade da sua criança para tentar explicar esse novo participante da festa de Natal, talvez, só desconhecido para mim e a criança: um Papai Noel de cara preta. Ao seu lado um boneco de neve preto e do outro uma rena igualmente preta. O traje tradicional emblemático, de papel brilhante, vestido de prata e ouro, calção bufante vermelho e cara rosada, deixou – ao menos para mim – o sentido anual da festa familiar, a comilança e as luzes e brilhos, sem a mesma razão de ser: para adultos, a magia ingênua renovada; para crianças, a magia da realidade do Papai Noel descendo a chaminé, os presentes à tiracolo.
Tenho confusas e antigas lembranças, que vão da ansiedade à decepção quando o presente que recebia não era o desejado. Não entendia por que nos galhos das árvores de Natal apareciam tufos de algodão representando neve, se festejávamos o Natal em pleno verão; porque a presença do presépio, se não acreditávamos em Jesus. Meu conhecimento era restrito às charretes a cavalo e não a renas cinzentas e bonecos de neve com um nariz de cenoura se neve não caía. Estas informações incongruentes levam-me hoje também a não entender qual a razão do Natal por aqui já começar em outubro com as lojas decoradas para uma festa que vai acontecer dali a dois meses.
É possível que para a menininha, surpresa com o Papai Noel de cara preta, o Natal tenha deixado de ser a “realidade ingênua” de outrora para tornar-se uma realidade factual: a inserção social das minorias. Rolando meu carrinho de compras para frente, pensava: “bobagem, você viu coisa demais nesse Papai Noel. Tudo bem, o bom velhinho sempre foi da cor do chocolate quando de chocolate”! Mas continuei intrigada: “mas por que na minha imaginação, ele sempre foi de cor branca mesmo se de chocolate?” Nesse ponto raciocinei que o Papai Noel de chocolate tinha a cara de chocolate ao leite: era clarinho! Mas porque sempre o “vi “como sendo “branco”?
O exposto na prateleira do supermercado era de chocolate escuro mesmo. Provavelmente de chocolate amargo, daqueles que hoje dizem ser mais sadio porque pode conter de 50% a 99% de cacau puro daí ser tão escuro. Perguntei-me se este Papai Noel de cara preta não conteria uma mensagem embutida para que a criança e eu o percebêssemos como oriundo da raça negra?
Será que o risonho velhinho de chocolate branco, representado na lenda e na estória contada por nossos pais não existe por ele eventualmente ser negro?
Um engano: é o único que existe de fato e não chega de renas, mas sim a jato, fruto da busca de uma sociedade plural que objetiva sua inclusão social, mas que, apenas em parte se pretende tolerante com as diferenças! Nesse momento, em que a fábula escorre para dentro do chocolate amargo e escuro da cara do Papai Noel, estamos inserindo o símbolo maior do Natal na realidade dos acontecimentos que nos circundam.
No meu passado, posso não ter tido a resposta do porquê os símbolos natalinos serem brancos, não havia discussão a respeito. Porém tenho certeza de que é hora de incluir, no panteão tradicional das festividades, o papai Noel negro ao lado do branco, convidá-lo à mesa. Que seja bem-vindo e participe da festa! Deveríamos ter nas prateleiras Papais Noéis de todas as cores, raças e credos.
O Papai Noel de cara preta contou esta História Real para mim!