Esta crônica é tão antiga quanto a eleição de segundo turno de Dilma para a presidência, mas como não é sobre ela, fica valendo.
Hoje, em busca de inspiração, esbarrei neste texto na pasta “Memórias mortas”. À época, as opiniões estavam divididas entre direita e esquerda, eu ignorava o Ibope e fazia minha pesquisa. Quem melhor do que o motorista de táxi para me fornecer uma resposta esclarecedora ou convincente?
Eram 11 horas da noite, horário de verão, quando embarquei num táxi
para levar-me para casa, nos Jardins. Antes, ao abrir a porta, vi que o carro era daqueles cujos bancos de pano estavam tão desgastados que brilhavam desagradavelmente, algo raro hoje em táxis de SP.
“Em quem o senhor vai votar”? Perguntei, indiscreta, porque sei que o voto é secreto.
Ao responder, o taxista voltou-se para trás. Um homem de idade incerta, poucos dentes, imediatamente associado ao estado precário do seu carro. Categoricamente , me interpela, voz rouca e ousada:
– ” a senhora não vai votar em quem eu voto”! passando da segunda marcha
para uma encrencada terceira.
Calei-me, assustada com a afirmativa. Sem delatar-me ao que ele, com precisão, soube identificar, ouvi seu monólogo apologista à guerreira, insistindo que só ela cuidava dos pobres. Finalizado o relato das demais façanhas “da mulher”, voltei a perguntar, curiosa:
“- Em que Dilma melhorou sua vida?” Não respondeu. Tentei de forma mais amena:
“- Em que Dilma melhorou a condição de sua família?” Continuou a descrever
cenários de pobreza, acrescentando mais elogios à guerreira Dilma, sem me dar ouvidos.
Em mais uma tentativa corajosa, quis saber se ele recebia bolsa família. Entre surpreso e indignado, respondeu:
– “Como, se eu trabalho”?!
Perante tal enfático e honesto retorno, cheguei a titubear se lá era o lugar certo para colocar minha opinião. Neste preciso momento, vislumbro aliviada a entrada do meu prédio, porém ainda suficientemente longe para o taxista sair-se com esta frase inesquecível e lapidar:
– ” A senhora é moradora dos Jardins, desconhece o que é miséria”!
Hoje, passados os anos e os acontecimentos, preciso admitir: não conheço e pergunto-me se quem me lê a conhece. Só a conhece quem é pobre de verdade, quem dorme e come pouco e mal; desconhece o lazer e não pode se permitir a preguiça; mora amontoado com outros pobres, em quartos sem janela, espera pelo ônibus lotado em dia de chuva e frio e espera pela ambulância que não vem socorrê-lo ou morre no corredor de um hospital sem nome e documento.
Aqueles que não precisam viver nessas condições, sabem que assim é em nosso e em outros países onde os menos privilegiados não são percebidos.
Pergunto-me, dia após dia, por quê? Não obtenho resposta de como reverter este amaldiçoado processo de degradação secular a exemplo do meu perspicaz taxista.
As causas alegadas desta condição humana deplorável são mentirosas!
A razão não é “a falta de vontade” política, como alegam por aí, é falta de ética! E para a ética ser aplicada ela precisa ser aprendida, precisa saber o que é! Pena e comiseração é hipocrisia.
Moral da história, arriscando um palpite: táxis sujos são como casas: podem ser muito pobres, mas elas têm que” cheirar ” a cuidado. Talvez esse cuidar das mínimas posses seja o início para sentir-se um pouquinho, um pouquinho só, menos pobre.