Sou fotógrafo. Sou nordestino. Lá chamam o fotógrafo da praça de lambe lambe. Porque não sei. Todo dia armo a minha caixa fotográfica de madeira no tripé preso em três cabos de vassouras.
A máquina que uso foi do meu pai. Minha profissão é fotografar pessoas que precisam de carteira de identidade, casais, jovens e velhos. Não sei por que as famílias não trazem a família toda para serem fotografadas.
Meu lugar cativo é na Praça dos Estudantes e o banco de cimento serve de assento para os meus clientes enquanto preparo a lâmina e enquadro o espaço onde as pessoas estão postadas. Eles ficam de pé ou sentados.
A única queixa em ser fotógrafo lambe lambe é ter que por o pano preto por cima da minha cabeça para escurecer o campo do foco. Minha cidade é muito quente.
Mas é debaixo deste pano que enxergo os olhos que me contam o sentimento da alma de cada um que vou fotografar. Foco só nos olhos.
Vou para casa levando as lâminas do dia para revelar no meu banheiro escurecido com cortinas de plástico preto. Tem uma bancada que fica entre a bacia e a pia e lá estão as duas assadeiras e a pinça de salada com as químicas necessárias para revelar a féria que consegui. Os olhos do focado voltam a aparecer gravados, devagarzinho, sobre o papel.
Quando volto para a praça no dia seguinte, encontro o meu cliente à espera da sua foto. Não sei o seu nome, mas o reconheço pelo olhar. Ele não fala nada e eu não pergunto. Pagam na hora.
Os clientes já foram do meu pai, provavelmente, do meu avô também. Talvez tenham sido pintados pelo meu bisavô, tataravô, mas sei que o olhar resignado em todos eles, a marca do nordestino, continua a mesma.
Termino meu dia, deitado na rede, tomando a fresca e é lá que fico pensando porque me definem como sendo um lambe lambe. Terá sido porque com os olhos o fotógrafo lambe a ferida inscrita no olhar desesperançado do homem do norte? Sua tragédia?
Eu ganho a vida assim, traduzindo os olhos da alma dos meus clientes. Eu mesmo não tenho história própria. Minha história é a história dos outros. Mesclo-me na química das suas vidas. Lambo a alma de cada um que precisa de uma foto de si para se ver. Talvez seja a minha própria alma que fotografo todo dia. Sou feliz aqui, deitado na rede, vivendo a vida do fotografado. Minhas fotos atravessarão décadas, dependuradas na parede da sala de jantar ou coladas na carteira de trabalho, o olhar frontal perturbando os vivos.
lindo texto mana! como voce escreve bem!!, sempre com um twist de alegria e melancolia, traduz o que vai na sua alma.
Well done, big kiss
Mano
querido,
Te agradeço tanto ler os meus escritos e gostar deles.
O Lambe Lambe é um dos meus favoritos; claro, diz respeito
à tudo que aprendemos em matéria de fotografia. Grande beijo.