Minha mala era de couro natural carregada como hoje as crianças carregam suas mochilas coloridas. Nas costas. Depois, com o aumento do volume de livros e cadernos, a mochila de couro passou a ser uma pesada mala de couro preta com uma língua preta que se encaixava num feixe dourado que eu carregava com dificuldade até a porta da classe para guardá-la ao lado da minha carteira de madeira. Era o meu lugar, durante o ano inteiro e tinha um número: 48.
Desta mala eu ia retirando os cadernos e livros da matéria do dia e recolocava os demais já repassados. Eu gostava muito dos meus pertences de escola. Além do estojo, de madeira reluzente, os cadernos e livros eram todos encapados com um plástico verde.
Encapá-los no começo do ano era um sufoco. Cortava o plástico torto e, assim, na hora de virar a dobra para dentro, fazer o triângulo para dobrar com a outra dobra, o durex no dedo para não deixar escapar a ponta, o plástico era insuficiente. Mexe daqui, mexe dali para ver se tinha jeito, a situação só piorava porque na hora de puxar vinha a capa do caderno junto, dobrando-a de maneira que não dava mais para fechar o caderno. No fim alguém me ajudava, mas nunca os meus livros e cadernos eram tão bem encapados como os das outras crianças, e parece que só eu sentia o cheiro do novo que demarcava o inicio do ano letivo. Fui aluna aplicada, não porque em casa se esperava que o fosse, mas porque eu gostava do mundo íntimo e silencioso criado entre mim e o caderno. Eu e o livro. Eu e o lápis, eu e a lição. O mundo era pequeno. O tempo parado, até o próximo dia de trazer a lição de casa.