Os caminhos se abrem ao idoso pedir passagem!
Fui atravessar a rua. Carros na descida, mão única. Eis que um dos carros para e me convida, com a mão a atravessar. Atrás, mais carros param. Depois de aceitar o convite, do outro lado da calçada, percebi que estava segurando o braço de uma filha fora da faixa de pedestre. O braço não estava lá para me dar apoio e sim eu o segurava com carinho enquanto discursava de como ela obteria melhores resultados numa determinada questão. O motorista deduziu errado: que eu era uma velha necessitada de ajuda jovem para não perder o equilíbrio! Ainda não corro perigo ao atravessar de uma calçada para a outra sem ajuda mas, posso ser atingida por um veículo por conta de alguma distração como, por exemplo, conversar enquanto atravesso.
Não há vez que não olhe o semáforo, à direita, à esquerda e que não lembre de uma tia que foi atropelada por ter olhado apenas em um sentido ignorando que a Avenida Europa (SP) tem duas vias de fluxo de carros. Ela morreu como jovem senhora.
Lembro de ter acusado minha mãe de arrogante ao não aceitar o meu braço para ajudá-la a descer as escadas. Hoje sei que ela o afastava, não porque queria me ver longe, mas porque não queria admitir que corria perigo sem ajuda para andar.
Ultimamente tenho sido tratada com uma deferência que só se dedica aos velhos. São pessoas desconhecidas, educadas, 20 a 30 anos mais jovens do que eu. Eles se levantam da cadeira do cinema por exemplo, encolhem a barriga, – a passagem exígua- e aí eu posso chegar ao meu lugar com algum conforto. Percebo olhares atentos quando levanto de um sofá baixo- observando disfarçadamente- prontos para me pegar com energia pelo cotovelo. Mas a questão aqui é uma só: velhos sentem fortemente que estão aptos a transgredir regras como quando jovens e se constrangem, sobremaneira, em constranger as pessoas gentis e educadas. Por vezes, estes senhores e senhoras “de idade” imaginam ler, nos olhos dos atenciosos cidadãos, um ponto de piedade condescendente ou gentileza gratuita! Se aceitá-las como sendo sinceras, estará admitindo que precisa da ajuda e isso dói!
É verdade que, os que foram soberbos um dia, acreditam que são ajudados por obrigação; dificilmente dizem obrigado. Outros, mais humildes, aceitam com simplicidade que necessitam ajuda e agradecem. Há aqueles que se convencem filosoficamente de aceitar a realidade e sorriem apenas. Todos seremos velhos um dia, queiramos ou não!