Um dos prazeres em São Paulo é ir aos sábados a uma livraria e lá se perder pensando no que outros já pensaram por nós e, saciados, tomar um café com brioche na lanchonete da livraria.
Este era o cenário de uma conversa proibida que ouvi, hábito deselegante, mas sempre assunto para uma crônica. O risco é pegar a conversa no meio ou fim. Para quem é brasileiro ou acompanha o noticiário, meia conversa é suficiente para entender esta.
Estava sentada de costas para dois homens, não posso descrever seus rostos, vestimenta, ou condição social.
– Número 1 disse:
Mandaram um avião cheio de negos prá lá . Ficaram lá anos.
-Número 2:
Você tá falando do Barata?
-Número 1:
O olho caído não quer nem saber. Ele perdeu o olho, mas eu tô bem. Tenho tudo
inteirinho, só não tenho a grana dele.
– Número 2:
Cê tá falando do cara que morou com a mãe a vida toda no cafundó do Judas?
– Número 1:
Trabalham os três. Num voo tudo se explica. Figura fácil. Esperavam ganhar algum em
Nova York. Ficou chateado por não ganhar nada.
– Número 2:
O barba? – você fala alemão? … Alemanha também…
Nesta altura do diálogo perdi o interesse e deixei de anotar na minha cadernetinha. Já tinha comido meu paõzinho com geléia e café. Ao pagar a conta, espichei a orelha e ouvi:
– “É melhor incinerar este papel!”
Não despertou a minha curiosidade saber o que estava escrito. Não sou repórter investigativo. Interesso-me pelo comportamento dos investigados.
Sai de costas. Não me reconheceriam, mas fico imaginando se minhas afoitas anotações seriam descobertas? Deveria incinerá-las?
Que diálogo incrível! E que texto atual, não?
Bom dia Pedro!
É com alegria que respondo pois vejo que v. lê o legado vivo
e tece comentários bem a propósito. No café, ouvi de verdade
o diálogo. Também achei super atual e deveria passar para frente
como “contribuição” a tantas vozes insatisfeitas. Fui jornalista
dai o hábito do ouvido espichado. Abraço