A alcachofra parece uma flor com pétalas. Feia por fora, mas de sabor delicado ao abri-la, folha por folha. Seu íntimo segredo reside em como cozinhá-la e depois comê-la de acordo com a etiqueta exigida.
Há tempo certo para o cozimento. Se cozinhar demais, as folhas amolecem e perdem a perfeita degustação tenra de suas folhas. Se cozidas por pouco tempo, as folhas endurecem e amargam.
Ao tirá-la da água fervendo, é necessário uma peneira que, cuidadosamente, deve ser manipulada para que a água, presa entre as folhas, seja eliminada, caso contrário, o descuido irá liquifazer o acompanhamento escolhido prejudicando o processo delicado de mergulhar a tenra ponta da pétala na maionese ou manteiga derretida. Isto feito, com os dentes e a boca praticamente cerrada, num só gesto, é preciso raspar a “carne” da alcachofra que fica na ponta da sua folha.
Ah! sim, come-se com a mão, ao lado um bowl com água para lavar as pontas dos nossos dedos. Ela é, conhecidamente, uma entrada e não carece de acompanhamentos. Impossível comer com garfo e faca até chegarmos à segunda fase, depois da alcachofra desfolhada.
Durante o processo, ao nos atermos às delicadas pontas da alcachofra, surge a primeira questão: onde descartar as folhas já comidas?
É muita folha para uma única flor!
Deixá-las no prato, irá atrapalhar a fase dois, algo como empreender uma cirurgia em uma sala lotada , este é o momento supremo do processo, a quintessência, a razão de ser desta planta.
Esta etapa requer o uso do garfo e faca para atingirmos o miolo da alcachofra, mas para lá chegar, é imprescindível tirar os pelos pontiagudos, duros e desagradáveis que protegem este miolo onde as folhas estavam como que pregadas a ele. Esta tarefa requer mãos de um cirurgião ou joalheiro, pois debaixo destes pelos existe o coração ou a jóia da alcachofra. Após todo este trabalho para finalmente degustar o que realmente interessa, podemos encontrar nada mais do que uma mísera rodelinha ou, uma rodela firme e gorda da decantada e tenra carne desta planta.
A mim me parece sacrifício demais, como o processo para comer a carne branca da lagosta e depois nos livrarmos da sua casca. Não vale a pena o esforço, pois não fosse a divina manteiga ou maionese, tanto a lagosta como a alcachofra, ambas caras, mas definidas como de especialíssimo paladar, não teriam gosto de nada.
Mas não cheguei ao ponto onde quero chegar.
Comparemos a alcachofra a um amigo. Gostar é a premissa, contudo levamos tempo para conhecê-lo.
Para descobrir se nos iludimos ou não (o processo); necessitamos de uma aproximação lenta e dedicada (as folhas).
Para o aceitarmos como ele é, de fato, (o coração), precisamos passar por uma barreira de idiossincrasias (os pelos) para só no fim chegar ao essencial da pessoa.
Diferentemente da alcachofra e da lagosta – que, a meu ver, não merecem toda essa fama – um amigo tem o gosto de uma amizade duradoura, conquistada com dedicação, perdão, humildade e disposição ferrenha para amar seus defeitos.