O TEMPO – por respeito e medo sempre vou escrevê-lo com letra maiúscula. Um símbolo condutor maior em nossa vida, um deus maestro que rege uma orquestra afinada. Assim, ao me referir a ele como O Tempo Que Passa, uso uma percepção corriqueira do Tempo entre uma ocorrência do passado comparada com outra do presente. Pode ser uma fração de segundos ou uma vida entre o nascimento e a morte. Como os grãos de areia de uma ampulheta que permanecem dependurados no ar até o momento de alcançar o outro lado dela, o Tempo é uma passagem, um espaço translúcido que não retrocede. Ele esgota o passado, transcorre no presente e aponta o futuro. Se expressa nas matérias vivas e mortas da natureza, em formas, cores e texturas. Exemplifica-se em marcos que vão se desvendando na própria Linha do Tempo que só a Ele pertence.
É possível sentir O Tempo Que Passa ao perambular por uma exposição de arte, por uma biblioteca, em museus, nas ruínas de pedra convivendo com o alumínio e concreto ou ainda observando o envelhecimento de uma pessoa. Elas nomeiam o processo contínuo da transformação das civilizações em constante mudança.
No escopo da SP-Arte (2022), uma exposição onde arte e tendências se expõem ao público, observei artistas que buscaram mostrar a sua visão de mundo com trabalhos que, talvez, já apontam para um futuro possível de se concretizar. Justapus algumas obras às restrições que faço a internet: as obras revelam vibrantes espaços que se comunicam, ao contrário do imediatismo das redes sociais onde eles se sobrepõem sem nos apercebermos que existe um Tempo que Passa uma vez que não há espaços vazios na internet. Por ela ser imaterial aos sentidos, vincula-se, antrofagicamente, apenas a si mesma, O “não espaço” se aloja nas nuvens invisíveis e deixa um vazio d’alma.
Ao meu ver, algumas obras ali, captaram este não espaço da internet, expressando-o em uma linguagem visual palpável onde riscos e formas desconhecidas parecem querer emitir uma mensagem “escrita” em um novo código. Seriam sinais visuais, sugestões da atual resistência das pessoas voltarem a um espaço reconhecível como sendo o do Tempo?
Na ronda pelo espaço da SP-Arte creio ter percebido na obra de Daniel Jablonski, a letra de computador usada para contar um engano ocorrido no século XII sobre o descobrimento do Brasil por conta da leitura equivocada de mapas antigos. É necessário ler para conhecer a história de uma ilha perdida na costa da Irlanda chamada, curiosamente, de Brasil.
Em uma grande parede branca, ele traz formas de madeira recortadas em diferentes tamanhos e desenhos – “li” quarenta e duas – que poderiam remeter a uma página de livro escrito. Um novo léxico de letras comunicando, antecipadamente, uma futura linguagem universal?
Menos grandioso mas não menos importante,passei por trabalhos em nanquim que trazem à tona a escrita delicada desde tempos remotos. Vários deles, sobre o papel amarelado, desenham fios de cílios perfilados que poderiam querer dizer a necessidade dos olhos enxergarem o acontecendo.
Outra maneira de expressar a necessidade de uma interação maior entre o Espaço, o Tempo e as Pessoas ocorre através de outras técnicas e processos artísticos. Alguns trabalhos traduzem a fala da comunicação afetiva no “não verbal”. São telas imensas pintadas em formas igualmente imensas e arredondadas; manchas fortemente coloridas entrelaçando-se suavemente. Um SOS? Duas pedras sobre uma mesa, trouxe-me a mesma sensação que as manchas coloridas da afetividade. Duas pedras singelamente abraçadas,delicadamente esculpidas que se encaixam na perfeição, como que querendo expressar dois seres humanos em prosa amorosa?
Na intenção de expressar a natureza em extinção, interpretei o realismo das obras,- que fielmente a reproduzem em uma explosão de cores vibrantes,- como um alerta contra a nossa negação em aceitar a sua finitude. Lembrança vigorosa de que a natureza existe e dela dependemos?
Enfim, deduzi ser a mensagem geral do evento, uma reflexão sobre a interação, física,entre pessoas e a natureza para além do deserto da individualização dos conteúdos da internet.
Espero que minha esperança não seja vã ao desejar que pedras e cores, matérias vivas e a criação indiquem um processo de restauração de elementos necessários para a sobrevivência do planeta.
Apenas o Tempo Que Passa poderá, um dia, confirmar ou não, essa minha teoria, uma hipótese ou uma proposta de humanização mais ampla no lugar da aridez desértica que vivemos atualmente.