Um dia, nas férias, encontrei-me dentro de um acampamento, dormindo num beliche, tendo que aprender a montar a cavalo, jogar queimada e correr com um saco de batatas ou um ovo na colher (sem derrubar) para ganhar um prêmio. Aprendi a farrear, à noite, escondido da monitora que fingia dormir. Aprendi a ir até a cantina e “roubar” um pedaço de bolo, a jogar buraco e dominó.
Éramos obrigados a andar quilômetros, a beber de um cantil e a tomar banho de cachoeira fria. Minha roupa era marcada com meu nome e eu tinha guardado embaixo da cama, uma maleta com doces e chocolates que me eram enviados de casa, juntamente com as cartas que respondiam aos meus queixumes e saudades.
Havia dois momentos reveladores na temporada do acampamento. Ao acordar, sempre na mesma hora, com o cheiro do café com leite açucarado, levantar e vestir-se para tomá-lo junto com o pão branco cheio de manteiga, imerso no seu caldo. À noite, todos, sentados, olhavam para o céu límpido e ouviam o monitor falar sobre constelações.
Deus na Igreja e o cheiro do café no acampamento trouxeram-me o sentido da concretude vital dos espaços. A escuridão trouxe o infinito, o para sempre, o eterno. O dia claro, a amplitude do meu espaço no mundo. Ambos chegaram com o silêncio infantil. Meu embrião de coração havia começado a crescer com o ritmo do universo.
Texto extraído do livro “363”