Escrevo com a intenção de lhe contar o que aconteceu com nós mulheres quando você nos incitou à liberdade jogando o seu sutiã no lixo. O sutiã representativo da prisão em que as suas seguidoras se encontravam.
Esta foi talvez a imagem mais importante que guardei da passagem de menina moça para mulher sem destino certo e muito menos para o destino de mulher. Por anos fiquei entre jogar o sutiã no lixo ou usá-lo como sustentação dos meus seios. A vida ou as escolhas, nem sei mais, fizeram com que eu acabasse usando sutiãs até hoje.
(Você não imagina o que anda acontecendo com os seios das mulheres: Montes ou montinhos de silicone, digo, seios implantados, sustentados por sutiãs cujo bojo é menor do que o seio. Duas meias luas se tornam visíveis ao primeiro lance nos decotes sutis e provocadores, específicos para mostrar seios de menina, em corpo de mulher madura).
Lembro você despertando, para uma plateia de mulheres, cujos anseios elas não sabiam ainda exprimir, a sua condição de submissas ao designo dos homens. Teoria que reduziu-se à uma única palavra: machismo. Seu brado, em oposição, passou a ser classificado de feminismo. Fato porém é que nem um floresceu nem outro vingou totalmente.
Passaram-se 50 anos e hoje pergunto se você não deveria ter completado a sua revolta nos antecipando os conflitos e as contradições que teríamos que passar para alcançar o direito de Ser uma mulher independente de um homem. Tenho certeza que não imaginou o conflito que consistiria a luta para alcançar este objetivo; a mulher acabou ficando no meio do caminho entre opções que não se sente capaz de assumir enquanto o homem, em contrapartida, não entendeu plenamente o que aconteceu com aquela mulher que ele desejava que fosse apenas uma mulher passiva.
É verdade que um grande número de mulheres já conquistou um nível de igualdade importante quanto a cargos que ocupa e os homens se predispõem a trocar fraldas, lavar a louça, dividir a conta do restaurante. Ela pode ter um filho sem pai, lavar a louça quando lhe dá vontade, prover os recursos para se oferecer um bom jantar para si e uma amiga. Não obstante, no não dito, o machismo ainda impera fortemente. O homem nega enfaticamente não ser machista e a mulher continua a reclamar de suas ideias preconcebidas.
Como lhe disse, você deu a nós um direito. Um direito à individualidade, à realização, a escutar a nossa própria voz. Você nos assegurou que podemos, mesmo sozinhas, sobreviver.
Mas, existe entre as mulheres independentes e homens perdidos com sua independência um sentido de solidão e fracasso como uma cócega sem irrupção.
Tenho outra novidade para contar.
Você não acredita no resultado da revolução conclamada.
Prega-se uma inversão da ordem das coisas: se uma menina sentir-se homem então desde pequena tem permissão de vestir-se de menino. Idem o menino. Banheiros em lugares públicos, na sua época com desenhinhos indicativos para cada gênero, hoje são unissex. Se alguém se dirige a uma plateia heterodoxa, não deve mais saudar sua fala com senhores e senhoras; deve dizer “prezados todos”!
Em nome da Igualdade os gêneros homem /mulher, assim designados pela natureza, podem estar a caminho da extinção como o urso panda na China. Conceitos como o Machismo e Feminismo estão fadados a derreter- se como o gelo na Calota Polar…
Termino esta carta em mal traçadas linhas, confessando não só minha fraqueza ao ainda precisar do homem protetor, machista ou não ou em transformação.
Minha perplexidade sobre o rumo que as relações afetivas parecem estar tomando é igual àquela que senti quando você jogou seu sutiã no lixo.
Betty Naomi Goldstein, mais conhecida como Betty Friedan, foi uma importante ativista feminista estado-unidense do século XX. Participou também de movimentos marxistas e judaicos. Wikipédia
✡ Nascimento: 4 de fevereiro de 1921, Peoria, Illinois, EUA
✝ Falecimento: 4 de fevereiro de 2006, Washington, D.C., EUA