– “Por favor me leve ao Mube!- “Entro à direita ou à esquerda”?
(Estávamos quase ao lado do Museu, mas chovia tanto que tive a sorte de ao menos encontrar um táxi. (Normalmente andaria até lá pelas alamedas arborizadas dos Jardins).
Experiente tomadora de táxis, sempre me impressiona o fato de um taxista não conhecer o seu serviço.. Eu conheço bastante SP mesmo porque vou sempre para os mesmos lugares, mas o dom da direção tanto do automóvel quanto de orientação não me foi dado, aliás por isso deixei de ter um automóvel. Guiar na cidade de São Paulo, como em qualquer. outra cidade imperfeita do mundo, é uma temeridade. O custo para manter um carro, entre impostos, manutenção, e gasolina, fiz os cálculos, é mais caro do que chamar um táxi a toda hora, incluí nisso a depreciação do carro próprio. Mas esta decisão só pode ser tomada depois que os táxis de São Paulo tornaram-se os melhores do mundo em matéria de limpeza e conforto e se encontram em cada esquina. Oferecem revistas para o passageiro e atendimento pontual quando a hora é marcada. O celular do taxista sempre ligado para me atender onde quer que eu esteja, falta só o gps instalado como obrigatoriedade.
Então, neste dia de chuva torrencial em que pedi para ir até o Mube, como na maioria das outras vezes, indiquei o caminho errado. Fomos parar a 4 quadras do meu destino. Estranha dificuldade, mas preciso me enganar primeiro, olhar, pensar, reconhecer um ponto de referência, enfim sentir o lugar para depois poder indicar o lugar onde quero chegar.
Quando não estou atrasada não há porque brigar com os taxistas, não os culpo por saberem menos do que eu mas, atrasada, fico impaciente comigo mesma. São Paulo não é uma cidade para se nascer sem sentido de orientação. O excesso de automóveis (colocam 1.000.000 de carros novos por ano em circulação), os semáforos que quebram quando chove, – e como chove sempre, quebram sempre – tudo converge para a renovada vontade de ir embora desta cidade, desejo nunca realizado porque São Paulo é São Paulo, a melhor cidade do mundo para se viver!
Mas hoje, como das outras vezes também, a volta que tivemos que fazer por conta da minha falta de sentido de orientação e da ignorância do taxista de seu trabalho, sempre dá o ensejo de uma conversa com ele. Geralmente são eles que dão o tema e invariavelmente ou é sobre a política, sobre o trânsito ou sobre algum crime horroroso que acabara de acontecer. Hoje foi o Brasil.
“O Brasil não tem jeito”, disse o taxista.
“Tem sim” digo eu, frustrada idealista. “O sr. votou em quem?”
(Sempre pergunto antes de arriscar a emitir minhas opiniões. Conforme a resposta, retruco com cuidado).
“A sra., que tem a mesma idade do que eu” –mas que ousadia comparar-me a ele, não lhe permiti nenhuma intimidade, pensei muito mau – humorada sem deixar de olhar de viés para ver se eu estava tão acabada quanto ele – “a gente sabe que tem que votar em alguém. Eu queria votar em branco, mas meu pai disse que a gente tem que votar em alguém então votei naquela mulher magra…. – “a Marina?” completo. Desinteressada no seu voto, com meus botões pensei que os taxistas era um sortudo porque ainda tinha pai na nossa idade “É, depois nessa daí.” Em seguida acrescentou:
“Eu não gosto do PT mas o Serra fez muitos pedágios. Uma sacanagem com a gente. SP tinha 32 e agora tem 105.
“Mas temos as melhores estradas do Brasil, arrisquei, o sr. não acha que vale a pena pagar por elas?” Silenciou por um segundo e emendou
que seu pai foi padeiro e português – (já não me surpreende ouvir histórias desconectadas) – e deduzi que o pai era mais importante que as estradas pois continuou moto contínuo:
“Tenho uma irmã que mora na Suíça e um irmão em Londres. Meu pai trabalhou 30 anos, sem parar um dia. Vendeu a padaria e voltou para a Ilha da Madeira. (Frisou várias vezes que sua família tinha o passaporte português e por isso puderam ir embora do Brasil).
Meu pai morreu pescando, disse. “Pescou 20 anos e com 90 bateu a cabeça na pedra e morreu. Acredita?
Curiosa, sondei: “sua irmã foi trabalhar em que profissão lá na Suíça?” Ah! ela ralou muito, hoje só compra imóveis aqui em SP, como meu pai ensinou. “E seu irmão?” (sobre este não obtive resposta) no lugar disto continuou:
“antes do meu pai ir para a Ilha da Madeira deu uma casa para cada um de nós e nunca mais trabalhou e nem voltou para o Brasil.”
Atenta ao caminho para não me perder novamente nas mãos e contra mãos perguntei porque ele também não foi para a Europa. “Não, eu fiquei com o meu outro irmão na padaria mas não deu certo. Sabe como é, família….!” A gente não brigou. Vendemos a padaria, comprei um imóvel na Vila Nova Conceição, ah! bem antes de virar um bairro chique e comprei um apartamento só para mim e minha mulher na Sta. Cecília.”
Quando parou de falar porque havíamos chegado ao destino, fiquei pensando sobre este filho de padeiro português com 60 e poucos anos (suponho) e os motoristas de táxi em geral. São pessoas educadas, já tiveram outra profissão, trabalham para comprar imóveis e educam seus filhos para a vida. No caso do taxista que disse ter a mesma idade do que eu, conclui ter sido ele renegado pelo pai porque – pressuponho – repetia esta história várias vezes por dia. Certamente o pai não o considerava tanto quanto aos irmãos que usaram seus passaportes portugueses para ganhar a vida nos países já desenvolvidos. Ao chegar ao meu destino, uma exposição, ainda pensei: Essa história de que português é burro, definitivamente é uma lenda!
Eu gostaria de me aposentar na Ilha da Madeira, viver 20 anos sem trabalhar, só pescar e por fim, graças aos deuses, cair e bater a cabeça numa pedra e morrer!
Olá. Eu também adoro conversar com taxistas. Não me dei muito bem com o Uber. Sinto-me mais à vontade com os motoristas de taxi. O taxista português, com quem conversou, me lembrou de um filme visto recentemente; meu marido e eu temos nos aventurado pelo You Tube e ótimas surpresas tem acontecido, como este filme – Passagem para Lisboa. Lindo , triste/esperançoso filme mas o que me deixa arrasada, é minha ignorância; sabia do Salazar, da Pide, do fascismo daquela maldita ditadura. Mas, borboleta mimada que sou,sabia, sem saber.E me horrorizei; tanto da brutalidade quanto da minha ignorancia. Tenho levado vários tapas que me deixam aturdida mas continuo a ler e me inteirar de tudo que posso e que sei que, por doído que seja, eu, como artista plástica e como mãe, tenho obrigação de saber.Quem sabe, deixo um legado para minha família, pela vontade de saber. Bj. Carolina
Carolina querida,
Primeiramente desculpe pelo atraso ao lhe responder. Andei um tanto
“sábatica” para agora recomeçar novamente com o novo site Bettinalenci.com.br
Nao saber ou conhecer, nao é importante. Ai estao os livros para a gente consultar.
O que importa é a sede de saber: ela é que faz a gente nao envelhecer!.
Fique tranquila, seu Legado é Vivo e tenha certeza que nossa prole o sabe mesmo se
nao se manifesta. um beijo carinhoso.
Esse taxista não será burro por ser Português, sê-lo-á, burro, porque a burrice não precisa de passaporte. Contudo, a burrice, neste caso é subjetiva, o que para uns seria o paraíso, para outros pode parecer-se a um inferno. Cumprimentos portugueses
Maria,
perdoe o tempo passado para responder ao seu comentário.
Jamais tacharia qualquer pessoa de burra e muito menos o
português que leva esta pecha aqui no Brasil. Bem ao contrário,
há um elogio ao meu taxista portugues. Sábio! Obrigado por ler-me e
mais comentar a sua percepçao sobre o texto lido. Um abraço amigo.