Criar uma crônica sobre o envelhecimento não é tarefa auspiciosa quando o mundo nos bombardeia informando que a fonte da juventude existe. Seu alvo preferido, as mulheres que, secularmente, são as que menos o aceitam.Refiro-me ao envelhecimento. Não a terceira idade. Aos idosos rotulados aos 60 como tal.O envelhecimento só tem como paralelo a juventude e entre as duas realidades não há como construir o eternamente jovem ou o eternamente envelhecido. O tempo de ser jovem e o tempo de envelhecer tem o Tempo como ponte e um final quando a ponte acaba.
Tive o primeiro contato com o envelhecimento ou, o Tempo, quando escolhi, do meu armário, um cinto para combinar com a roupa.
Perplexa, percebi que a cintura mudara de lugar. Ela subira e estava mais próxima do seio. Não dei atenção ao fato afinal, eu só tinha 40 anos.
Um dia, passado uns anos, jantando com meus filhos, um deles chamou a minha atenção avisando que havia uma salsinha presa na raiz do dente. Era a gengiva que mudara de lugar ela também pensei. Mais atenta às mudanças físicas imperceptíveis, a partir daquela chamada passei a sorrir menos durante um jantar, sempre preocupada com a salsinha que pudesse revelar o passar do meu tempo.
Tempos depois das revelações das mudanças, ao tentar fazer com que as pontas dos dedos alcançassem o dedão do pé, exercício para fazer a cintura voltar ao seu lugar, as bochechas – que eu não sabia ter – vibravam e pareciam pender em direção aos pés. Era a lei da gravidade em funcionamento.
Passou mais um tempo e o fio de colar de pérolas usado rente ao pescoço ficou justo quase na mesma hora em que os sapatos começaram a apertar. Eram sinais captados, mas por não ter ideia de como se fica velha, anotei apenas a passagem dos 50 para os 60 anos. Tinha tanta coisa para viver ainda!
O primeiro sintoma de verdade que indicou que algo estava sucedendo comigo foi ao perceber que aguardava o exame de sangue com a mesma intensidade que aguardei o resultado do vestibular.
-Seu colesterol está muito alto!
-Como assim? Colesterol, alto?
-A senhora não sente dor na nuca?
-Na nuca? Pode ser, de vez em quando!
A senhora tem pressão alta! Vai ter que tomar remédio para baixar o colesterol e a pressão para o resto da vida.
A senhora não sente falta de vitalidade?
-Cansaço? Como assim?
-Durante o dia?
-Por quê?
-Porque a sua tiroide está funcionando devagar.
Vai ter que tomar um remédio para o resto da sua vida.
A partir daquele momento entendi que chegara a hora de me apresentar ao Tempo.
Ah como é bom quando a gente conhece o paramos de brigar com ele. Descobri que não é um monstro que está me consumindo mas um amigo que me ajuda a escolher o que é importante fazer com ele, como ler suas crônicas e poemas sem a correria do dia a dia. Porque agora que eu e o meu amigo Tempo compartilhamos juntos tudo o que é bom…
Parabéns Bettina!
Obrigada Salomé,
Nao há porque brigar com o mestre do universo, o Tempo. Brigamos porque tememos a finitude, unica verdade inexorável com a qual entramos em contato na medida que nos vemos envelhecer. Ninguem quer
saber da morte. Temos medo do tempo que perdemos e quenao se volta atrás. Nao nos aceitamos por nos ter enganado e tanta dificuldade para enxergar o bem que já, porventura, fizemos. Creio que estes são os temas que devem nos acompanhar enquanto crescem os cabelos brancos. Compreender que ser feliz nao quer dizer que nao se sabe da vida. Só se sabe dela com a dor e o sofrimento para todos iguais. É possivel ser feliz! Eu sou ao ter um amigo como voce! obrigada por me ler.