Olhei para uma taturana gorda, longa, esverdeada, listrada de amarelo, mas ela não olhou para mim. Estava imóvel, a menos de cinco cm do meu rosto, sobre a almofada que me servia de travesseiro. Fiquei intensamente muda como uma naja a me hipnotizar. No mesmo instante lembrei que, criança, neste mesmo sítio, uma taturana, a bisneta, talvez tataraneta desta espraiada na almofada, queimou a minha perna e ardeu tanto que perdi o prazer infantil de estar de férias.
Em silêncio cuidadoso, peguei a almofada, por baixo, com as duas mãos e a atirei pela janela.
A tarde passou com a sensação de que algo estranho havia acontecido: joguei pela janela um bicho quieto, que se move com 100 patas, uma depois da outra, devagarzinho, rebolando sobre a superfície. Não sei de onde veio, como nasceu, mas algo de intimo me liga à ela, talvez o medo que ambas temos uma da outra.
À noite, puxei a cortina da janela pela qual joguei a taturana fora e lá estava ela, verde e imóvel. Tirei a roupa e deite-me conjecturando se não havia uma reunião de taturanas no quarto armando um complô.
Tensa sob os lençóis procurei ouvir algo que me indicasse outras espécies similares me rondando. O silêncio era imóvel como a taturana. Tive a intrigante e indelével sensação de uma presença em meu quarto. Alguém me espreitava. Alguém me perseguia para dizer algo que eu ainda não sabia. Talvez algo que procurava tanto quando criança e me aterrorizava se o achasse. Teria eu pertencido, ao menos, a esta taturana?
Ao acordar, a primeira coisa que fiz foi me certificar onde a taturana havia dormido. Lá estava ela, absolutamente imóvel, exatamente no lugar em que a deixei, mas não estava morta porque a cabeça havia se movido ligeiramente para a direita. Porque não foi embora para debaixo da cama ou se escondido no meu chinelo?
Na noite seguinte lá estava ela, a cabeça havia se mexido para a esquerda. Não senti nenhum medo asqueroso. Ao contrario senti-me em uma companhia silenciosa e inofensiva. Dormi tranquila e dei boa noite à esta presença, agora, desejada.