Passado não é um lugar para onde se vai. Passado é um lugar de onde se vem.
Este final de semana passei três dias numa fazenda cuja sede atende pelo nome de Palacete.
Lembrei que há 36 anos fui para lá como uma ingênua e virgem princesa e ontem voltei como uma bruxa sabida.
Encantava-me o som – p a l a c e t e, – soletrado sonoramente e recheado de belas coisas, mas assustava-me, em igual proporção, os fantasmas que ali coexistiam com os Homens.
À época deslumbrei-me com tudo que decorava o palacete. Com fausto e riqueza, onde quer que eu me movimentasse. Do sabonete renovado a cada vez que usado à troca da toalha a cada vez que se enxugava as mãos. Da dobra da roupa de cama às fronhas, repassadas a cada vez que nele se dormia. Conheci 9 jogos diferentes de louça acompanhados de 9 diferentes arranjos de mesa, 9 toalhas e, entre a trinca de copos – água, vinho branco e vinho tinto – bebi em 18 copos diferentes.
Para os corredores abriam-se as portas dos quartos de hóspedes. Desta vez, como da outra, só cheguei até o segundo andar para espiar, ainda acanhada com o comprimento do corredor e dos retratos dos antepassados dependurados acima e ao longo de mesinhas, todas elas iguais ostentando enormes garrafas de vidros com uma água verde dentro.
Hoje como outrora, para fazer frente aos encontros rígidos e formais, ao abrir as venezianas do meu quarto, pequenos terraços divididos apenas por muretas baixas davam para pequenos balcões e à época, lembrei ter imaginado, rocambolescamente, príncipes encantados adentrar na surdina da noite. Tenho certeza hoje que não serão mais príncipes nem tampouco os vovôs que me rodeiam a executar tal interdição.
Trinta e seis anos depois tudo se encontrava exatamente no mesmo lugar e modo. Uma geração e meia, inteira, havia por ali passado e nada se transformado. Não havia decadência no ar, ao contrário, mas ser e ficar tudo como sempre foi e ficou é fenômeno raro nestes dias de passagens corridas na vida da gente.
Já um tempo acomodada no sofá de uma das salas, meu olhar vagando entre o vasto vale à minha frente (não sem antes deparar-me com estátuas greco-romanas simetricamente delineadas no fundo verde), choquei-me com o tecido impecável que ainda hoje cobria sofás e poltronas. Tinha a mesma cor e estampa de quando o vi pela primeira vez. Impressionada, imaginei que reestofaram os móveis, certamente gastos, por outro igual. Perguntei e, qual não foi o meu espanto, não havia re-estofamento. Era o mesmo! E assim só me restou pensar que não se faz mais tecidos de sofá como antigamente.
Porém este detalhe remeteu-me à filosofia e sua filha, o tempo, este que convive comigo como um colchão de borracha ao qual me entrego ao descanso ou à angustia, e conclui, o tecido dos sofás do palacete não será eterno, assim como minha lembrança, que guardou uma memória principesca, não é mais a mesma. Entristeci, não por conta de algum tempo perdido, mas pelo isolamento dos sofás, ocupando um espaço que não precisava mais existir. Nos três dias que passei no Palacete ninguém nunca ali se sentou.
Ao voltar para casa e à esta velha história, o que me causou desassossego foram os mesmos fantasmas de outrora voltarem comigo. Os fantasmas que eu tanto temia dançavam por sobre a minha cabeça fazendo-me lembrar que do tempo que passa não dá para fugir correndo.