Vi o coração de Jesus à mostra, rasgado, a testa muito branca respingada com o sangue da coroa fincada em sua cabeça. Olhava para mim com olhos de vidro preto.
Vi um coração que batia, veias de verdade, aberto com duas garras de alumínio, cada uma de cada lado, apartando a pele que o cobria antes do cirurgião inserir profundamente uma faca para operá-lo.
Vi uma pessoa um passo após o outro, depois mais outro, mais outro e muitos outros mais, inconscientes que o coração bate para que possamos atravessar a rua.
Vi um coração de papel brilhante, vermelho, desenhado sobre cartolina branca com os dizeres: “Eu te amo. Volte logo.”!
Vi alguém mandar para outra pessoa, um coração montado com os quatro dedos da mão, dobrados sobre si, vazio o centro, flutuando no nada. Como analogia, corações me fazem lembrar os macacos que não vêm, não ouvem, não falam mas dizem te amar assim mesmo.
Destes corações, cada um me conta alguma coisa. O de Jesus me fez recuar, com dor de seu amor não correspondido por nós mortais.
O medo de mim se apossa quando o coração exposto ao cirurgião poderia ser o meu.
O coração delineado na maneira dos adolescentes, geralmente uma flecha transpassando-o e gotas de sangue pingadas, amando sem restrições ainda, me remetem à juventude. O coração de quatro dedos é uma macaquice vazia de amor.
Corações pretendem simbolizar Amor. Não deixa de ser uma versão poética simplificada que pode ser substituída por alma para traduzir o indecifrável “sentir com o coração” (qual deles?) e transfigurá-lo como sendo sincero, verdadeiro, piedoso, doloroso, sensível ou mesmo inútil. Imagens toscas para traduzir sentimentos que não sabemos como expressar de outro modo.
Traduzir amor de outro modo, ausente o símbolo que poderia expressá-lo silenciosamente, é tarefa e desafio para qualquer um de nós.
Eu não saberia como descrevê-lo a não ser transpondo-o à imagem do Coração de Jesus: um coração humano pregando no Templo, até o dia em que a morte lhe foi decretada, segundo escritos, cruelmente, libertando-o, ao subir para o céu.
Gosto desta analogia toda vez que lembro de minha irmã gêmea que caiu em cima do portão de ferro de nossa casa, cujas lanças pontiagudas perfuraram seu coração. Nenhum cirurgião pode salvá-la. Morreu com o coração rasgado, seu corpo muito branco respingado de sangue, coroado de lanças pontudas. A imagem perdura forte depois de 60 anos como sendo o Sagrado Coração de minha pequenina irmã, bela e branquela, Sahra.