Hoje, na sala repleta de um laboratório à espera do chamado para um exame de sangue, observei mãe e filho. Ambos ocupados com seus smartphones, silenciados por fones de ouvido, não se falaram uma única vez. Voltei meus pensamentos para o futuro, o meu, da mãe e do filho.Os seres monstruosos dos jogos eletrônicos, binários, matam ou protegem, param ou correm. Saltam à distancias galácticas ou pulam de galho em galho. São, ou do mal ou do bem. Sempre um contra o outro. Não há terceiros a combater. Eles não têm história e medida do tempo real.
Os dedos das crianças, mais ágeis do que as asas de um Mercúrio supersônico correm e saltam de alturas que somente um homem biônico, nas olimpíadas do ano 2099, poderá se aventurar. Arremessam pesos inimagináveis que parecem, na telinha, como pedrinhas ao vento. Serão mesmo pedrinhas ao vento? Será que esta criançada conhece o efeito de jogar uma pedra em ângulo de 180 graus e esperar ela pular longe, saltitante, no lago calmo no meio de uma floresta? Inútil lembrar os contos da carochinha e o que dizer da amarelinha, queimada, ciranda, passa anel que sumiram? Este assunto só serve para a hora da saudade entre comadres.
Penso que há algo amedrontador por baixo desta ingênua brincadeira dos joguinhos eletrônicos. Imagino que está se formando uma rede submersa no sal do mar e que, no dia que ela emergir para a superfície, os fios não mais se comunicarão entre si e as crianças de hoje, adultos de amanhã, não saberão o que fazer com seus ágeis dedos. O cordão que antes se conectava de um ponto ao outro, criando a trama da Rede, “liquidificar-se-á.”
O século XX não mais se comunicará com o XXI!
Os filmes cuja violência arrebenta a barreira do som ficarão mudos e sem os efeitos espetaculares. O impossível de acreditar, que hoje recebe a atenção desmedida da criançada, perderá seu efeito e a perplexidade e emoções artificiais que causam.
Ter conhecido o século XX me faz feliz. Hoje posso afirmar que aprendi a compreender e aceitar o passado que já vivi. A diferença entre os dois séculos é que tenho certeza de que não terei tempo para entender e ou aceitar o destino de uma pessoa que tem um chip instalado no seu cérebro.
Alegro-me por saber ter adquirido, no meu século, um conhecimento mais próximo da natureza, mais próximo da realidade humana, sua miséria e sua sublime beleza.
Não cheguei a ter pena do garoto entretido com seu smartphone.
Ele é o homem do futuro digital avançando tão ou mais rapidamente do que suas pernas poderão correr. Fiquei meio que inconformada com a sua mãe, ali sentada sem um livro na mão.
A balança do conhecimento está pendendo demais para um lado só!