Hoje lembrei do filme: Se todos os homens do mundo. Um filme de 1956 que assisti com meus 15 ou 16 anos.
Nos anos 60, ler Sartre e Simone de Beauvoir, inteirar-se sobre o fundamental sentido da liberdade, posicionar-se frente à guerra fria contra ou a favor da invasão da Rússia na Baía dos Porcos, Cuba, colocava uma boa parte do planeta em uma espiral de transformação acelerada e contínua.
As mudanças em curso foram sendo percebidas apenas por uma minoria brasileira, uma vez que estes abalos civilizatórios nos hábitos e costumes, a politização dos movimentos estudantis, ocorriam, em geral, na Europa.
Por esta época, tive a oportunidade de participar tanto da revolução intelectual como da contra revolução que abalaram , às vezes com violência , as enraizadas estruturas do século XIX, ainda em curso, sobretudo na Europa Central.
Mas por que o filme voltou, com tanta nitidez, a minha mente?
Lembrei das imagens em preto e branco, intensas e dramáticas enquanto olhava as fotos dos corpos sem vida, mortos sem razão, espalhados pelo chão ucraniano. (Guerras nunca terão uma razão aceitável para existirem a não ser a loucura de alguns poucos que a constroem para satisfazerem seus egos enfermos.)
Coloco nesta crônica a sinopse do filme com a intenção de que abram o Google e vejam o filme histórico que conseguiram trazer para nossos dias. Não esperava encontrar a lembrança do efeito que a história deste filme causou em mim quando muito jovem. Porém o enredo deste antigo filme nos diz que existem pessoas vocacionadas para ajudar outros a evitar uma morte certa: hoje, os ucranianos em agonia sob as bombas russas!
Sinopse do filme “Se todos os homens do mundo”
Os doze marinheiros do Lutécia, um barco pesqueiro de Concarneau*, operando no Mar do Norte, um após outro caem doentes, após terem comido presunto contaminado: eles estão sofrendo de botulismo** e precisam tomar um contraveneno nas próximas 15 horas.
Dentro do navio esboça-se um clima de preconceituosa desconfiança em relação ao cozinheiro muçulmano Mohanmed – o único tripulante que não ingeriu o presunto – tendo sido, por alguns marinheiros, acusado de ter envenenado a comida. De Mohamed e dos dois últimos tripulantes a que ainda se mantiveram de pé, mesmo atingidos pela doença é que vai depender o destino do navio.
O filme fala de solidariedade humana , de empatia com o próximo e acende um pisca alerta – surpreendente para a época, talvez resultado da Segunda Guerra Mundial- sobre o preconceito religioso e crenças divididas. Creio que o sofrimento toca a alma de todos nós, mas nem todos se dão ao trabalho de aliviá-lo. O filme é absolutamente contemporâneo , após décadas da sua realização.
À época, a solidariedade se configurou através dos radioamadores, (uma rede de abnegados – que hoje seriam definidos como “fora da curva”), estes amadores das frequências moduladas e aparelhagem incomparável com os nossos computadores, mobilizaram-se para conectar o mundo conclamando ajuda para o barco à deriva. Não havia a imagem nem a instantaneidade que hoje intensifica nossos sentidos e acompanha nossa consagrada e indispensável internet, mas concluo que resta a esperança de não nos termos brutalizados totalmente ao nos submetermos ao abuso das redes em geral, pois há ,sim, pessoas se movimentando para ajudar civis desamparados de alguma tragédia.
Quando as pessoas correm risco de vida, o que conta é chegar a elas ainda com o poder de ajudá-las e a internet tem este ponto a seu favor : não precisa recorrer a obsoletos meios de comunicação. Acredito que não importa quais prejuízos emocionais e intelectuais a internet vem causando em nós: a comunicação entre pessoas ainda é o caminho mais curto para os humanos se entenderem, mas não sei se nossas futuras gerações terão ainda os Googles para recorrerem quando a lembrança emergir em suas mentes. Talvez só tenham memórias fugazes das guerras que foram apreendidas nos joguinhos do celular. Acredito que a memória se pergunta quando as percepções sobre a realidade foram sentidas.
Jamais presenciarei se a internet deixará espaço para a lembrança, a empatia e principalmente a solidariedade entre humanos.
Também assisti o filme nos anos 50. Uma cena que me marcou foi onde aparece o Portão de Brandenburo. Fiz questão de tirar uma foto quando estive lá.