Puxei as velhas cortinas e sentei-me ao pé da cama enjoado e reflexivo. Perguntei-me porque me encontrava em becos sujos em busca de histórias sórdidas para excitar homens e mulheres.
A sensação de olhar o proibido sempre me animou não só a realizar minhas fantasias sexuais como a escrever sobre a dos outros. Formado no subterrâneo dos vícios encobertos, aprendi a focar minha visão de 180º e escrever com a imaginação de 360º.
Meu ponto preferido é o hotel Paradiso por ficar a poucos metros de distância do Eros, um hotel que serve para os mesmos propósitos: quartos de uso rápido e custo baixo. O Paradiso me permite, a cada espiada no quarto alheio, uma visão suficientemente inspiradora para inventar minha crônica que, uma vez lida dentro de um banheiro, irá para o lixo.
Além da minha máquina de escrever deveria carregar meu binóculo. Ele me ajudaria a ser mais preciso, mas é a única herança da minha avó e tenho vergonha de usá-lo para este fim.
Aprendi a ver a olho nu.
Estou no quarto 70 do hotel Paradiso. Olho para a janela descortinada do apartamento em frente e vejo uma cama vazia, lençóis esgrouvinhados e suados, indicando que houve sexo. É um começo para uma história, mas estou sem os personagens, o quarto está vazio. Melancolicamente, lembro-me da minha trajetória como voyeur dublê de jornalista.
Sentado nesta mesma cadeira, frente a mesma janela e máquina de escrever, o calor abafado e o barulho das pás ensebadas do ventilador sobre a minha cabeça, lembrei o texto no qual descrevia uma cadeira com uma roupa amarela dependurada; dois homens, um deles travesti, faziam sexo. Para obter mais informação sobre eles, desci até o lobby do hotel Eros na esperança de encontrá-los. Até hoje sinto o enjoo que sofri quando percebi que não eram dois homens e sim um casal , uma mulher de saia amarela e blusa branca.
Este engano, foi o primeiro sintoma de que eu havia ultrapassado o sentido da realidade: por que, ao ter visto uma mancha amarela dependurada na cadeira, o parceiro de um dos homens forçosamente tinha que ser um travesti? Vi de fato dois homens deitados, nus, fazendo sexo? Vi duas ereções?
Esta experiência transtornou-me a ponto de em meus momentos de intimidade com uma mulher, ausentar-me. Sexo havia se tornado um ciclo vicioso.
O ponto final de minha carreira deu-se quando não soube escrever sobre uma cena real. Vi, a olho nu, sexo à beira da morte.
Sentado frente a esta mesma janela, presenciei o assassinato de um advogado famoso, (como vim a saber) este sim fazendo sexo com outro homem. No momento do gozo, um terceiro homem adentrou o quarto e o asfixiou ajudado pelo parceiro sexual do advogado. A cena foi planejada com exatidão. Deixaram o local do crime, largando o advogado, nu, sobre a cama. Como para redimir-me por ter presenciado um assassinato cruel, velei, da janela, o corpo estendido. Gostaria de ter escrito sobre a sensação do advogado ao gozar segundos antes da Morte?
Eu não soube escrever um fato real!
Não sou mais voyeur.
Parabéns Betina!!
Como você escreve bem !! Adorei este texto e com tempo, quero ler todos.
Agora sei porque escreveu tão bem a crônica da nossa viagem, você é realmente uma profissional!
Abraço.
Lidia, lembrar da nossa viagem é sempre um enorme prazer. O que aprendemos, mas sobretudo, as trocas com
pessoas como você. Muito obrigada pelo seu elogio. O aceito porque busco intensamente escrever cada dia melhor
para voce e todos que me leem. Um elogio assim faz que eu nao desista. Obrigadíssimo. beijo
Obrigada caríssima Lídia. Como é bom receber um retorno como o seu. Incentiva a continuar
buscando o caminho profissional e o profissionalismo, meu objetivo e projeto de vida agora.
Fico feliz que v. teve vontade de ler os demais.
carinho
B