Ultimamente venho me perguntando se como cronista perdi minha fértil imaginação, pois não consigo mais “ver” nada que me chame a atenção para escrever.
Enquanto pensava sobre o assunto, voltei às aulas de computação. Não do mesmo modo como, completamente ignorante, aprendi a “mexer” no computador a caminho da terceira idade, – à época, era como se intitulavam pessoas de 60 mais.
Naquele momento, achei que nunca aprenderia a encontrar o lugar do cursor, a deletar, a mover, enfim, o bê a bá. Aprendi, realizada e inserida no contexto, feliz achando que nunca mais teria que voltar a ter aulas. Dominava o suficiente para o uso que precisava: comunicar-me unicamente via e-mail, o que hoje, 15 anos depois, ainda utilizo como artifício apesar de raramente receber os retornos uma vez que o WhatsApp se tornou o meio de comunicação mundial. (Verdade que recebo respostas em e-mail das minhas colegas de geração, pois elas têm as mesmas dificuldades em “mexer “com o computador).
Mas, para meu espanto e dos meus netos, à medida que o tempo foi passando, a comunicação rápida transformando maldosamente as relações – eu frustrando-me pela ignorância, ou melhor, por não saber “mexer” com as novidades do dia, decidi buscar novamente um professor. Um professor que ensinasse o para mim novo software, para os demais que me rodeiam já matusalém.
Na primeira aula o professor sugeriu que eu substituísse o meu querido Microsoft por um Apple. Perguntei por que ao que ele respondeu que era mais ágil. Respondi que não queria mais agilidade e sim saber postar no Instagram e no Facebook textos ou frases que me pareciam – algumas – melhores do que as que já tinha lido. À parte minha arrogância crítica, comecei a perceber as mil e uma utilidades (lembram do Bom Brill?) que o computador tem para quem sabe “mexer mais profundamente” nele.
Um novo universo se abriu e quanto mais informada eu me encontrava nas reuniões sociais mais tempo precioso do meu dia a dia eu perdia. Menos lia, menos saía, menos trocava opiniões verbalmente. Bastava enviar ou emojis no sentido de que compreendia as mensagens ou enviar youtubes que falavam por mim (geralmente mal expressos, mas era melhor do que não me comunicar de forma alguma).
Tornei-me uma adicta da máquina e dos algoritmos. Ao perceber minha ansiedade crescendo, minha solidão sentida, os olhos vermelhos, as costas doidas, as ancas alargando-se por conta das horas sentada, decidi parar e acabar com meu deslumbramento. Cancelei o professor – pois as novidades pareciam não ter fim – e deixei de escrever minhas crônicas. Sei um monte de coisas, mas, ao menos para mim, inúteis.
Tive uma depressão pós computação? Faltava-me o que fazer? Perdi-me e a imaginação pereceu junto comigo. Passaram-se meses!
A cada dia tinha que vencer a tentação de voltar à rotina anterior, à comunicação imaginária e vagabundear pelo computador. Resisti heroicamente e fui recompensada. Descobri que nada de extraordinário mais acontecia à minha volta. Nada mais acontecia de diferente na vida da cidade de São Paulo onde vivo. O cinema é dividido em séries, o livro em texto no kindle, a música no spotify – geralmente como música de fundo para quem está no computador – os jantares substituídos por encomendas trazidas pelo IFOOD, as compras pelo RAPPI, a condução pelo UBER, tudo on line e rápido, a tela do celular comprimida em centenas de aplicativos. Tudo acontecendo ao mesmo tempo. Sem esforço.
A meu ver sobrou, neste momento, dignos de inspiração, os pobres embaixo das pontes fumando craque, casas de papelão nos mais variados endereços chiques da cidade – vi uma carreira de “casas” geminadas, de papelão e plástico preto, ocupando um quarteirão junto a um muro. Ou ainda, digno de inspiração para a escrita, a análise do triste continuar da mesmice – há séculos – no país em que vivo.
(Exagero? concordo com o leitor, mas como cronista, é uma licença que assumo porque é a única maneira de chamar a atenção para uma realidade acontecendo: a vida vivida quase que inconscientemente, e a pobreza indigna aumentando a olhos vistos.)
Bettina Lenci, li seu texto telhado de vidro e identifiquei-me muito com este texto, um dia destes fui de metro até o sacoma, próximo ao Ipiranga, e notei pessoas introspectivas com celular as mãos, as pessoas não se olham mais, não sorriem umas para as outras, mas tem uma coisa interessante que notei, não precisamos nos enfiar de cara nesta tecnologia, uso-a somente para aquilo que preciso, até deixo algumas mensagens em alguns destes aplicativos, mas optei por conservar a minha essência, e seria legal se formássemos um grupo de pessoas que pensam como nós e gostam de degustar uma boa critica literária. um grupo dos cinquenta aos setenta, mas que pelo amor de Deus tenham um pouco de apreço pela cultura pela leitura, e um bate papo de alto nível. Também sou um empresario e vivia muito corrido, e agora começo a adaptar-me a uma nova rotina. grande abraço – Luiz Soares Teixeira
Caro Luiz ,
Primeiramente obrigada por ler o Telhado de Vidro e, sobretudo, enviar uma msg a respeito.
Por incrível que pareça nunca me locomovi de Metro. Falha de quem mora nos Jardins e usa aplicativos. Aliás mais uma das transformações que nos afastam da vida cotidiana do “não tão antigamente assim” quando usávamos o ônibus.
Luiz , quanto a formação de um grupo, reunido com as mesmas sensações e interesses que você indica buscar, existem. Não é precisamente fácil mas é possível. Vou procurar me informar sobre grupos literários para os “mais”-( aliás escrevo bastante sobre esse 50 e 60 e 70 +) e lhe prometo passar alguma indicação.
São anos dificeis de superar após a correria quando se foi empresário, mas é possível sim!
Até lá
um abraço