Desde o dia seguinte à nomeação do filme, ganhador do Oscar de 2023, Tudo em Todo Lugar ao mesmo Tempo, procuro descobrir porque venho me sentindo esquisita. Consegui assistir a primeira parte enquanto um estranho torpor tomava conta de mim. Adormeci. Teria sido um ato involuntário de negação?
Não tive vontade de continuar no dia seguinte, apesar de saber que escreveria algo sobre o sentimento que o filme causou. Inconformada, pois jamais adormeci mesmo nos filmes classe b que adoro, fui averiguar a razão na geração de meus filhos e pedi para um dos meus netos assistir comigo, certa de que poderiam me explicar porque adormeci. As reações foram iguais com os cinco netos e quatro filhos.
– é muito chato!
Continuei acreditando que, além de chato, o filme tinha que conter alguma mensagem, afinal ganhou 10 prêmios das 11 categorias.
Mais intrigada ainda, procurei saber, com amigos adultos capazes de analisar bons filmes, – pressupondo que ganhadores do Oscar o mereçam – o retorno foi idêntico:
– adormeci! Não entendi!
Segui em frente, vazia de opiniões, a esquisitice presente. Algo no título, “tudo ao mesmo tempo no mesmo lugar” indagava o porquê do meu desassossego.
Dúvidas assombrosas recaíram sobre mim e tentei encontrar um fio da meada com a certeza de que não achei o fio da meada.
– Tudo em todo lugar: neste momento não estamos nos deparando com o resultado, por nós inventado, da globalização? Não estamos convivendo com as mesmas “coisas” acontecendo no mesmo lugar, ou seja, no mesmo mundo geograficamente conhecido?
– Ao mesmo tempo: neste momento não estamos buscando entender o efeito que nos causa “ o tempo que voa”? a velocidade da Inter comunicabilidade? a exposição de nossa individualidade? a bisbilhotice em nossa privacidade que os meios tecnológicos oferecem para qualquer um, tudo ocorrendo ao mesmo tempo?
– Qual é o nosso lugar nesse patamar interdimensional que, mesmo em processo de delineamento, é absurdamente desconhecido e no qual estamos, no presente, ansiosamente sufocados?
– Será que meu cansaço, oriundo de horas de trabalho no meu escritório real e frio, se dissipa caso deseje estar, em todo lugar, descansando em uma praia deserta? Tudo isso está acontecendo ao mesmo tempo na telinha do meu computador?
– Ou então, posso comprar um tênis Gucci, pagar por ele, e ao mesmo tempo calçá-lo no mundo virtual e ficar “bem na foto”?
Como controlar o caos do poder de nos transportar virtualmente no tempo e espaço, confrontando o humano que somos na vida real com o que gostaríamos de ser na vida virtual? Desejamos eliminar (cancelar), a percepção de que estamos condenados a conviver com a nossa fraqueza, frustração e insignificância para nos projetar num mundo concebido na satisfação e felicidade geral? A natureza primeira extinta?
Estamos a caminho de construir um real desconhecido?
Enfim… variadas e variáveis são as indagações cujas respostas ainda estão para ser dadas. Porque não acreditar viver um real imaginário, aliás Freud já escreveu o certo em linhas tortas ao mencionar a existência ( real) da esquizofrenia.
Acredito na mensagem criativa da imaginação, apesar deste filme futurista – porém não mais na categoria de ficção científica – ter sido um excelente sonífero.
A imaginação navega por terras ocultas, em busca de alguma resposta para acreditar – ou entender – ser possível viver além da realidade circundante em constante transformação.
A imaginação é inerente ao humano. A curiosidade suplanta o desafio de descobrir, desvendar outras possibilidades de realidades possíveis.
A ansiedade humana por perseguir a escuridão do nosso universo, perscrutar os mistérios, a imperiosidade em transformar o existente para re-fundamentar o passado e legar para as próximas gerações um novo conceito, é gerada pela pulsão da vida em cada um de nós.
Tomando para mim o achismo, convivemos com algo muito esquisito e, talvez, o recado contido no ganhador do Oscar 2023, brinca com a a possibilidade de vivermos em um mundo sem causa e efeito ao negar a historicidade configurada até aqui.
Acho que a palavra plataforma virtual possa vir a ser substituída pelo sinônimo: Vida.
Acho que o filme nos projeta para um futuro caótico no qual as emoções se embaralham com violência, se cruzam vertiginosamente, sem eira nem beira, a fronteira entre o real existente e o criado por alguma inteligência artificial supera o crer humano.
Acho que este filme antecipa – século ou muito tempo a frente – um cenário único e cotidiano no qual tudo, acontecerá em todo lugar, ao mesmo tempo. O título indica que teremos uma realidade muito próxima ao que seus criadores produziram, ou seja, viveremos, sem distinção, entre a realidade conhecida e uma outra, hoje, em processo de formatação.
Acho que ainda não nos apercebemos completamente da possibilidade de nos depararmos com o prato pronto, sem possibilidade de retrocesso.
Por enquanto, nos resta viver a esquisitice e aguardar. Aguardar!