O Brasil foi colônia de Portugal por 400 anos, penso, ao deitar meu olhar no horizonte. Acomodada sobre uma pedra cavada pelo vento, encimada sobre uma rocha, contemplo ondas espumosas a bater na muralha de pedra cuja altura pode induzir a um suicídio por tão sublime visão.
Hoje, teoricamente, Portugal tornou-se colônia do Brasil apesar do brasileiro não ter vocação colonizadora, mas assim se configura: as ruas de Lisboa não mais falam a língua de Fernando Pessoa. Não é o caso aqui de avaliar porque este fato é uma realidade audível. Mas por que os brasileiros trocam o Brasil por Portugal se ao sermos descobertos por Cabral, os portugueses encontraram o paraíso na terra?
Passei anos pensando se não devia tomar a mesma atitude. Muitas vezes pensei em trocar o Brasil por um” país mais seguro” – era uma das justificativas, – a mais fácil de compreender!
Sabia ser fácil para alguns, bastava ter milhares de euros para um golden card que lhes daria o direito de comprar uma moradia e assim se estabelecerem por aqui. Alguns tiveram a sorte de ter, longinquamente, um parente português e assim se tornarem cidadãos com duas nacionalidades. Os menos afortunados, cansados de esperar por uma vida mais condizente aos seus esforços de progredirem no Brasil, sem condições de comprar o que quer que seja, sem contar com descendentes portugueses, corajosamente, desafiaram as leis para se estabelecerem no que imaginavam ser o Éden. Terminaram, no final das contas, tendo de se conformar em servir os brasileiros e portugueses, nas casas, restaurantes e lojas.
Resisti à tentação, apesar de assaltada pelas agruras políticas e financeiras que a maioria dos cidadãos brasileiros passam cotidianamente. Resisti porque acredito em processos de transformação contínua. Esperança, talvez, seja o melhor termo!
A transformação ocorre, invariavelmente, desde que o mundo é mundo: por baixo, por cima, pelos lados, silenciosamente, imprevisível, mas constante, sem trégua. Teorias explicam o porquê, por onde e como. Algumas convencem, pois é necessário acreditar para sobreviver ao mistério impenetrável. Alguns convencem-se para justificar suas crenças, outros se fixam nas dúvidas porque sabem que não há razão que explique.
O Brasil encontra-se há anos no sofá do analista, buscando se entender a cada crise que vive. Os chavões se repetem por décadas, independente do estado de espírito. Por exemplo, ficamos conhecidos mundo afora por conta de uma irresponsável frase proferida por um famoso general francês: “o Brasil não é um país sério”! Outro pensamento que o desabona: o Brasil não é para principiantes”, dito em tom jocoso para qualquer um que não se der bem nos negócios. Pergunto, somos comparados, hoje e sempre, com qual país do mapa mundial?
Sim, no cotidiano, há horas difíceis, frustrações incorrigíveis, momentos de desânimo profundo – até justificáveis – mas não passam de desejos irrealizáveis como a felicidade, por exemplo.É mais fácil abandonar o barco porque a grama do vizinho é mais verde, mas ela não é! apenas parece ser!
A invasão e destruição, em 8 de janeiro de 2023, dos três pilares que sustentam a nossa democracia, democracia que nasce de um objetivo manifesto e verdadeiro, confirmaram, – pela reação do processo democrático vigente em nosso país – o desejo de seguir democratizando-se. As razões para tal cena de horror são complexas e controversas mas de natureza humana.
Ao meu ver, ficou evidente que uma razão chega fundamentada na ignorância, condição primeira para submeter-se ao jugo do grande pai cuja vocação é acreditar-se certo e vitorioso independente da realidade que diz não a sua arrogância. Um pai com tal característica tem por meta acordar a frustração de cada um dos seus filhos através do mais obscuro dos instintos humanos: a violência. Em hordas, agressivo, incentivado pela força de grupo, este filho não se apercebe do seu ato contra as leis e a ordem que a democracia exige, mesmo ela sendo frágil, imperfeita, mas que requer vigilância e cuidados constantes. Este filho enxerga no pai mítico, a condescendência para com seus preconceitos, o Deus no qual tem que acreditar, a arma como direito de matar quem cruza seu caminho discordando de suas crenças e valores.
Isto posto, a certeza é a mãe da burrice, eu sei, mas não posso deixar de colocar a minha colher em relação aos últimos eventos ocorridos no domingo.
Neste dia e nos seguintes, confirmei a minha confiança no Brasil porque o ocorrido deixa exposto o encoberto e, assim, creio, se produz o processo, lentíssimo e doloroso da transformação, que no fim não deixa de ser o alimento para a esperança!
Na prática fica explicitado, na minha opinião, é claro:
- A ilusão de que o povo brasileiro é pacifico, que só pensa em futebol, samba e carnaval. Este é um dos chavões sobre o povão (gíria que carrega o preconceito de quem dele se aproveita).
- A certeza de que o povo desconhece as consequências porque não lhe é ensinado a razão da democracia se assentar sobre três pilares sagrados, independentes e invioláveis.
Não tendo mais nada a acrescentar, declaro meu desejo de, um dia, votar para presidente, um homem ou uma mulher que me represente.
Uma pessoa, homem ou mulher, de centro esquerda, diplomado em filosofia, administração e planejamento; um mandante que priorize a escola, agindo de fato e não de boca. Que acredita ser a escola a régua mestre das políticas públicas, continuadamente e sobejamente ignorada pelo Estado.
Esta pessoa que imagino, deve ser o galo no galinheiro – mesmo se presidenta – dono da destreza para driblar, politicamente, as pessoas
desavergonhadas que sempre rondarão o poder para benefício próprio, seja para se manter no poder ou para dele usufruir financeiramente.
Vou seguir os próximos quatro anos ciente de que meu desejo não será inteiramente realizado mesmo porque é idealizado, mas acredito que há um processo de transformação em curso.