Hoje cedo, na primeira mordida do pão francês fresquinho, fiquei em dúvida sobre a real razão do enjoo que senti ao depositar mais um jornal sobre a pilha dos não lidos. Na verdade não é do jornal – desde a juventude um fiel companheiro de rotina – que me cansei. Coitado! Nada a ver! É a Internet que vem me abordando para ocupar um lugar que rejeitei por anos.
A leitura do jornal impresso ocupou minhas manhãs por décadas, a não ser quando perdia a hora para um compromisso, saindo sem tomar café. Quando isto acontecia, separava-o para ler no almoço ou jantar, apesar dos médicos aconselharem a não perturbar a digestão com distrações. Quando estas opções se tornavam impossíveis, lia os dois jornais no dia seguinte. Meu maior interesse recaía sobre editoriais políticos de guerras acontecidas e ou acontecendo, transformações geopolíticas em curso, ambições e o poder de homens e nações .
Hoje, perdi completamente o interesse, não só na notícia como na maneira de buscá-la. Cansei das letras, palavras, do papel, diagramação, fotos, das colunas especializadas, o mundo fechado em páginas. Rapidamente concluí que perdi a vontade de ler o jornal impresso, antes uma necessidade básica organizacional da minha vida. Sumiu o encanto! Há tempos eu já vinha ciscando espaços para outras escolhas na internet. Buscava, na verdade, um novo companheiro, mais jovem, divertido e atualizado. Mais diversificado e empolgante, com tentáculos que me desviasse da seriedade com a qual, disciplinadamente, lia o jornal.
Sei que Jornal e Internet não são excludentes, mas sem dúvida um (a internet) é mais insistente com sua presença do que o outro (o jornal). Claro que continuarei assinante do jornal; não se larga um amor de uma hora para outra ficando com um pé em duas canoas ao não conseguir se entregar de corpo e alma à novidade de um novo amante.
Vivi anos em agonia, por não compreender como – entre milhares de informações sobrepostas e simultâneas – digerir a informação “just in time”, aqui e agora. Demorei para organizar “minha cabeça” – que não era compartimentada quando lia o jornal – por saber onde e como procurar um fato específico. Era fácil encontrar as páginas numeradas, temas em letras garrafais, a notícia requentada para refletir. Para minha tristeza, descobri que, por causa da internet, passei a compartimentar os assuntos e reduzi-los a poucos temas de fácil absorção para esquecê- los na hora seguinte . Antes, o jornal, conciso,restrito, me motivava a pensar na informação o dia todo. Fazia bem a mente perceber que havia espaço para o tempo perdido ante a internet que me obriga a mudar de assunto a cada ponto final de uma frase ou emissão de voz.
O pãozinho fresco tungado no café com leite quente pela manhã era o espaço que eu precisava para digerir a informação. A passagem do jornal papel para a internet levou anos para se firmar, apesar de já termos aprendido a olhar a realidade imediata e tangível na TV. O salto mágico para dentro de uma tela de computador chegou sem nos apercebermos do que realmente se tratava. Ocupa um lugar que mal nos deixa respirar livremente. O espaço, apesar de diversificado em milhares de assuntos, deixa pouco ou nenhum espaço para viver a natureza palpável, física, das coisas à nossa volta. A internet é uma realidade factual que passa como um raio sem trovão. Ela traz uma realidade que não conhecíamos : uma imagem falada, desacompanhada do toque de vida, ao contrário do jornal impresso que, em preto e branco, chega marcado com o toque humano falível. A falta da mão do homem, em qualquer das suas manifestações, causa em mim apreensão. Me perco, carente e desinformada na inteligência virtual. Durante o dia permanece a sensação de que vi e ouvi mas não fui informada de nada. Acho que a comunicação instantânea só aparenta informar! Ela, quando chega via a internet, deixa um sabor sem gosto igual a um restaurante cinco estrelas, glamoroso cujo cardápio variadíssimo pode provocar indigestão; passageira, ao contrário do jornal que deixa os dedos do leitor sujas de tinta e ainda tem uso para gatos e cachorros fazerem pipi ou forrar latas de lixo.
Tendo vivido o dilema comparativo, decidi voltar ao companheiro matinal que deixei sem prévio aviso da minha traição. Continuarei flertando com o perturbador concorrente, incapaz de resistir ao seu sedutor e irrecusável assédio . Assim sendo, aceitando este amante, ausente de charme e intimidade, sem encontrar o conforto e o calor do meu antiquado jornal, me sentirei sempre navegando em um mar sem onda para surfar.Sei que navego em um barquinho de papel de jornal próximo a afundar!