Adilson morreu num acidente de moto, desnecessário. Uma bobagem do destino.
– “Bateu de frente com o carro de uma mulher, morreu na hora”, foi a fala do moço do Instituto Médico Legal que pedia para a família vir buscar o corpo.
Adilson tinha 32 anos, ia casar no mês seguinte, eu já tinha recebido o convite em papel cintilante, duas pombas impressas em cada lado, carregando as alianças.
“Sr. Onofre da Silva e D. Maria da Silva,
convidam para o casamento de seus filhos,
Adilson e Norma
Após a cerimônia os noivos cortarão o bolo na sacristia”.
Singelo, ingênuo, como o noivo. Adilson trabalhava no terceiro setor.
Adilson era a “ cara do terceiro setor”. Todos que com ele entravam em contacto, concordavam: coração bom, “virador”, afável, amigo. Noite e dia carregava a sua Kombi de geladeiras enferrujadas, fogões imundos, muita roupa e brinquedos velhos, sofás furados, computadores sem fio, até um escafandro vi um dia no modesto depósito da ONG para a qual trabalhava. Buscava esta parafernália nas casas das pessoas que podiam comprar tudo isso – novo – e levava para as entidades de caridade nas periferias de São Paulo que usavam tudo isso, velho.
Seu sorriso chegava sempre antes da doação. O pessoal já o esperava, como antigamente se esperava o carteiro. Trabalhei com Adilson, por isso sei, sem acreditar em anjos, que este anjo existiu, sem distinção entre pobres e ricos. Foi um Agente da Cidadania.
Fui ao enterro. Os amigos que ali se encontravam, certamente todos deixaram de marcar ponto no trabalho para vir ver Adilson no caixão florido e rezar. Chegou o pai. A mãe não deu conta de acompanhá-lo. Meu coração apertado, vi um pai, profundamente pequenino perante o inconcebível pensamento da perda. Não estava desconsolado. Era mais do que desconsolo. Muito mais. Olhos cerrados, tive a impressão que se desmaterializava-se, lentamente, para um mundo desconhecido onde imaginava estar Adilson, Deus presente em seu coração.
Vim a saber que o sr. Onofre, pai do Adilson, era jardineiro. Fiquei encantada com o fato ao imaginar, ali no Cemitério das Flores, no km 30 da Raposo Tavares, Sr. Onofre plantando flores junto ao túmulo de seu filho. Uma visão idealizada, sem dúvida, mas pareceu-me que Deus gosta mais daqueles que sofrem.
Amanhã seria O Dia dos Pais!