Sou uma velha com final A.
Recuso-me a ser um X. Meu companheiro é um velho com final O e também se recusa a ser um mero X.
Tanto falam em respeitar os velhos para no final nos significar como todos juntos, em todo lugar, ao mesmo tempo. Não!
Exemplificando: A mídia busca, entre outros conselhos, convencer os velhos a fazerem sexo como queiram: mulheres velhas com homens velhos e vice versa, ou sexo liberado entre mulheres velhas com mulheres velhas e homens velhos com homens velhos.
Nada a opor, mas pergunto?
E os velhxs, devem fazer sexo com qual vogal? a consoante X seria um boneco de plástico?
Chova ou faça sol, os não velhos terão que aprender a conviver com o tempo, lembrança nada agradável porque sempre será o passado e… sem retorno! Velhos vivem a perda enquanto lutam para viver o presente com dignidade!
Por favor, não me rotulem com um X! Deixem-me viver a velhice em paz.
Acabei de ler um livro cujo título é As Velhas. Ao vê-lo exposto na livraria, me interessei: este vai conversar comigo sobre velhas, velhas mulheres,velhinhas, afinal o título usa a vogal A!
O livro conta momentos específicos vividos por 12 mulheres, cada uma tem o nome inter-relacionado com outra mulher. Segue uma sequência de vidas unidas por um fio de afetividade ou identificação, de ajuda mútua.
Elas se relacionam em acontecimentos que se entrelaçam; são vidas construídas diferentemente, apesar de seguirem um mesmo destino: o envelhecimento e seus percalços.
Assim, Jô é empregada de Cida que mantém com ela, durante 40 anos, uma relação patroa / empregada. Jô morre dramaticamente na encruzilhada da loja de Maria, uma doceira que tem câncer e Eugênia, mesma motorista do táxi que levou Cida ao velório de Jô, leva Maria para o hospital. Ao Eugênia voltar para casa tem uma crise de choro e quem a acode é uma vizinha, velhinha, Lígia, que por sua vez tem uma filha, Inês, que tem uma amiga, Luzia, que é assassinada em um restaurante e assim continua a cadeia de mulheres, no meu entender, algumas velhas, outras a um passo de se tornarem velhas.
São histórias um tanto dramáticas, um enredo de vidas sofridas.
Talvez o olhar da escritora, Adília Belotti, queira nos mostrar onde e como as mulheres velhas se encontram: sós, abandonadas a si mesmas.Uma história na qual almas, também velhas, se relacionam umas com as outras.
O Alzheimer também está presente na Margarida, mãe de Ruth, com quem Luzia ia tomar um café e foi assassinada. Pessoas comuns que chegam no limiar da vida. Depois da triste história de Ruth, vem Laura, amiga de Ruth, e continua, Marilena, uma mulher de setenta anos que se socorre na estética, e tanto corre contra o seu tempo que cai desfalecida na Av. Angélica e é socorrida por Tereza, uma enfermeira, de bem com a vida e que se sabe velha. Estas vidas são contadas poeticamente, como a velhice, de fato, deveria ser encarada.
Nem todos os momentos das vidas destas mulheres são fáceis de compreender na primeira leitura. Complexas, pedem uma nova imersão.
Os capítulos podem ser literariamente encarados como contos que constroem uma única história que vai formando, à medida que estas mulheres vão sendo lidas, uma única realidade: a condição do estar velho!
A cidade de São Paulo é o pano de fundo, olhares perdidos para fora de muitas janelas, geleia de carambola à mesa de muitas delas. Uma analogia poética à monotonia, à melancolia?
Há, contudo, algo inerente às histórias que estão sendo contadas. São pensamentos literários / filosóficos delas ou sobre a vida destas mulheres. A meu ver, estes trechos sinalizados em negrito, entremeados nos parágrafos, poderiam ser interpretados simbolicamente como uma voz coletiva, (um apelo?) semelhante ao coro nas peças de teatro grego. (Théatron, em grego, quer dizer um lugar de olhar!)
Talvez a escritora queira nos dizer: “olhai, compadeçam-se dos velhos”!
Por fim, no capítulo Limiares, uma escritora encerra o périplo das mulheres em suas velhices assim:
Uma dentro da outra,
dentro das outras,
dentro das outras,
sempre as mesmas…