Acho que a palavra mudança não significa colocar seus pertences no caminhão e mudar de casa. Talvez a palavra mais adequada possa ser translado de móveis e utensílios. Mudança pode significar transformação, mutação, transexual, enfim tudo que tem a ver com a passagem de um estado para outro. O meu, o seu, da História, consequências de uma ação prejudicando 7 bilhões de pessoas ou apenas uma. Cabe em todas as palavras antagônicas: doença x saúde, rico x pobre, sol x chuva.
O particular momento de uma mudança vai além das cadeiras e mesas. As gavetas precisam ir para serem encaixadas em seus respectivos lugares. Ao verificar seu conteúdo, elas se transmutam em passado e presente.
Conforme a idade da pessoa elas contêm pouca história e podem ir do jeito que se encontram ou a história do seu conteúdo ainda é presente. Na medida da passagem do Tempo, dois tempos se misturam: o mais delicado de se mexer é o passado que não teve futuro. O presente por mais curto que venha a ser no futuro é digerível por conter em si a esperança.
Ouve-se muito a exclamação “vai passar”!,” joga tudo fora,”! “é um recomeço, aproveita”! Quando confessada a tristeza deste momento único. Como se joga um passado no lixo quando ele está dentro de nós? Tempo, fotos, mudanças, transformações – não vou mencionar amor porque só Drummond sabe falar sobre tal sentimento – mas como olhar para um picadinho de lembranças íntimas valiosas ou não? Simbolicamente o Tempo jogado fora?
Não tenho as explicações, mas sei que assim pode acontecer.
Quando se teve mãe conhecida, – bem conhecida – e dela sobraram vários vestígios em uma caixa de sapato, é fascinante saber que já não somos mais do seu ventre, mas somos parecidos na forma de organizar e guardar “as coisas”. A minha, por exemplo, guardava caixas velhas, velhas de 100 anos, 50, 30. Caixas identificáveis porque levam o logo de uma empresa que há muito não existe mais, uma de metal com botões já herdados da mãe dela agora contendo os meus, nunca necessários , mas alguns preciosos e fora de moda. Outra, sem identificação, contendo fios de lã de todas as cores de seus cachemires – que não mais existem – caso um furasse. O dedal, a agulha e aquele ovo lindo, lisinho de madeira clara manuseada, junto. Vejo minha mãe com este ovo cerzindo os buracos das meias de lã no meu pai. Não preciso de foto para lembrar! O ovo de madeira traz a lembrança emoldurada nos pequenos gestos cotidianos. Não mais o meu dia a dia, mas o dela: a profunda transformação sofrida nas relações afetivas, hábitos e costumes.
Quantas foram as mudanças de móveis e utensílios de uma pessoa tantos são os bilhetes, cartões de feliz natal, santinhos de missa de sétimo dia. Porém chega o momento em que, ao ler um por um, – alguns lindos, outros formais, todos carinhosos, letras de todos os gêneros, – da maioria já não lembramos, mas foram merecedores, um dia, de serem guardados. Esta é uma das gavetas que se reduz muito e resume os amigos de quem tanto gostamos hoje em dia.
Penso que seria muito mais rápido se guardássemos tudo que jogamos fora em alguma pasta da área de trabalho do computador. Seria muito fácil para meus netos, um dia, caso esbarrassem com a minha tela, conhecer a história da vovó. Eles não saberão o que fazer com o concreto, tátil, existente em forma e cor, amarelado pelo Tempo que passou e que deixei para eles acreditando ser importante. Desconhecem e ou ignoram antigas tradições familiares e seu modus vivendis. O presente deles não está na memória que guardei! Não vou me chatear quando for pó se com um clique tudo desaparecer nas nuvens já sobrecarregadas de tanto que já não é mais.
Qualquer que seja o significado para a palavra mudança, para cada pessoa tem um sentido.
Para mim será sempre um tributo ao silêncio: a cada dia um vestígio de um dia vivido.