Um nome. Ele ressoa na caixa acústica do meu coração. Toca uma música suave como o deslizar da areia na ampulheta do tempo. A serenidade se estabelece no conforto da cadeira de balanço: movimenta-se, para frente seguida de outro para trás e assim até perder a musicalidade desembrulhada ao sabor da lembrança.
Altura média, magra, meia idade, mulher, solteira, negra, um crucifixo de prata dependurado no peito, perfumada com cheiro doce e forte.
Compenetrada em seu papel, o nome assoprava o mingau branquinho, nem grosso nem ralo, reconfortante, que o nome levava à minha boca. Temperado com sal e manteiga na medida certa.
A noite, trazia para minha cama o leite morno afirmando que afastava os maus sonhos completando que, se eu não o bebesse todinho, o Lobo Mau o tomaria no meu lugar, mas que ele só gostava de leite. Não de criancinhas.
Abraçava-me, apagava a luz e dava boa noite; o perfume forte ainda colado aos meus sentidos, anestesiante, fazia com que eu adormecesse antes de terminada a estória.
O século era o XX. Houve um antes do nome (A.Z) sem recordações, sem cheiros, sem banhos de bacia, com medo de dormir. Houve um depois do nome (D.Z): o mundo silenciou-se ao chamar pelo nome no vazio: o nome havia partido! Foi a primeira vez que senti a ausência nos cantos vazios da recordação. Mais tarde, fugaz, o nome voltou à tona quando fui assistir ao Ballet O Lago dos Cisnes e a bailarina, disfarçada em lindo cisne branco acaba morrendo por amor pelo cisne negro.
E aqui termina o balanço e a escuta com o mesmo sentido vago de perda quando o nome sumiu de minha vida.
Parei de tricotar, tirei meus óculos, os pus no colo, olhei para o jardim e vi o canteiro de amores perfeitos contra o muro caiado de branco. Os plantei sem pensar em nomes. Os plantei quando compreendi que o Amor é como no teatro quando as pesadas cortinas de veludo se abrem em pares, a luz amortece, o silencio respira e a cena acontece.
Vocês se enganam se acharem que o nome poderia ser o de Mãe. Não é este o nome ! Fosse Mãe me alimentaria com seu leite!
O nome não deslizava como o cisne branco no palco. Tivesse nascido em lugar diferente, em lar diferente, conhecido a peça O Lago dos Cisnes não teria usado perfume doce, vestido roupas usadas. Não teria me visitado em noites de tempestade, não teria feito o mingau, trazido o leite morno.
O nome era o meu cisne e de ninguém mais. Nem branco nem negro. Era Zefa, a empregada de longa estirpe de escravos em quem eu confiava.