10 de julho de 2020
Do que estamos falando? Da volta ao antigo normal? Do novo normal? No antigo novo normal? O normal é o normal de cada um. O meu é diferente do seu e o seu do seu vizinho, portanto…
Andei muito confusa todos estes dias! Meio presa, meio em liberdade condicional, meio com medo, meio corajosa, meio inteligente, meio boba. Meio flutuando, meio com os pés no chão. Meio bem, meio mal. Meio cuidando de mim, meio que relaxando. Meio atenta, meio desatenta, meio me sentindo meio protocolada, meio desburocratizada. De um modo geral, sem rumo e segurança alguma.
Afinal este vírus existe mesmo? Sou erradamente informada que não matou tanta gente assim? Posso acreditar ou não?
Por conta da nossa bagunça, no meio dos milhares de vencidos, dizem que há que se contar os que morreram de velhice , o que é normal para mim e para você; outros de doenças que todos já ouvimos falar, o que é normal para mim e para você, e também é normal alguns, sim, cardíacos, cancerosos, tuberculosos, com pressão alta, diabetes e enfraquecidos que “pegaram “o covid-19 morrerem porque debilitados.
Comparam por aí o “nosso covid” com o covid dos outros países. Desanimador sermos conhecidos mundo afora como campeões no pódio da olimpíada do corona vírus. Podemos nos dar por orgulhosos ao subirmos ao pódio junto com o içamento da bandeira americana, o País mais potente do mundo…! (provavelmente tem a ver com os presidentes e seus jogos)!
Na verdade, ninguém sabe nada. São os presidentes de qualquer coisa a quem a gente dá o direito de saberem tudo sobre estes extraterrenos que, neste estranho momento, afligem as pessoas que ainda não foram marcadas para morrer.
Tenho um parente próximo que não é negro (ou preto, não sei mais como denominá-los sem ser ofensiva). Entristeço e me revolto sabê-los mais contaminados pelo vírus como se as doenças ainda se espalhassem com mais vigor nas senzalas; enfim, este meu parente é da classe, como dizem, que não “pega “o vírus porque não vive na periferia, não está desempregado, não vai morrer. “Pegou”, mas sem consequências mais sérias. Tratam-no em casa mesmo. Então? Como entender que humanos morrerem de um lado da cidade como se moscas fossem e do outro lado não morrerem? Faz sentido eu ficar em dúvida ou devo atribuir, raivosamente, mais uma vez, o pouco caso que se dá às populações não privilegiadas, nesse mundo cada dia mais consciente disso, mas cada dia mais cruel com elas? Saúde para poucos e nenhum cuidado para os demais?
É neste lugar do meu pensamento que reflito: teremos a volta do antigo normal ou a consciência foi despertada e há esperanças para um novo normal? Muito pessoalmente, eu não acredito e isso me ajuda a não esperar nada! Já houve pestes, fome, tantas guerras e eliminação de povos que nada mais fazem e/ou faziam do que viver pelo simples ato de viver. Pouco ou nada mudou porque nós temos o privilégio de esquecer o que nos causou mal e sofrimento. Não perdoamos pessoas que nos causaram mal, como não esquecer uma bolinha, invisível, que nasceu não se sabe onde nem como? Um ratinho que trouxe a peste e matou milhões? Na comparação do ratinho com nossa bolinha tentam nos sossegar dizendo que não é tão grave quanto a peste. Para mim é tão grave quanto. Não é uma questão de números de mortos. É uma questão de pobreza, sujeira, pessoas largadas na ignorância, este é o pecado do mundo hoje e sempre.
Aliás, li o livro “A Peste” de Albert Camus, escritor argelino, escrito no ano de l947. Não é uma história para ser lida, no momento, para quem se encontra com os nervos à flor da pele: é terrível porque é perfeito no terror! Perfeito ao descrever o espírito dos cidadãos de Orã, cidade na Argélia, que se juntam solidariamente (como nós aqui) e passam a pensar sobre o destino e a morte, (como nós aqui), sofrem a separação de quem amamos (como nós aqui). Porém a tragédia que se abate sobre Orã, o seu sentido aterrador, descrito por Camus tendo como cenário a cidade assolada pela pandemia da peste, nada, mas nada mesmo, tem a ver com o que aconteceu e ainda acontece nas nossas cidades e país agora! Impressiona a exatidão com a qual conta a incompetência do serviço público local (como nós aqui) que só sabe fazer, todas as noites, as estatísticas sobre a contagem dos mortos (como nós aqui). Conta como não sabiam qual a cura, conta que só podiam atender os doentes sem salvamento e montar nas escolas, nos estádios de futebol, nos hospitais improvisados, novos leitos para cada dia mais abundantes doentes (tudo como nós aqui e no resto do globo terrestre). Nas últimas páginas do livro nos informa que a curva vem regredindo até o dia em que a cidade festeja ruidosamente o decreto oficial do final da pandemia. Na página seguinte e final, Camus nos deixa novamente dependurados, sem saber se a peste voltará, outro dia ou mais uma vez?
Amigos e queridos leitores, espero de coração que nós e o mundo nunca mais seremos vítimas de qualquer espécie de vírus, bactéria e outros bichinhos. Não sou Camus, muito longe disso, mas não posso deixar de achar, – por puro achismo – que na verdade, no final do livro ele quis nos alertar, por um lado , que o Homem venceu o Mal através da solidariedade, heroísmo e misericórdia de alguns e , por outro, que sofremos todos juntos, mas de maneiras diferentes. Talvez quisesse também nos transmitir a noção de que o Bem não pode ser exaltado se o Mal não existir.
Um abraço companheiro no pandemônio
Boa noite, bom dia, boa tarde
Bettina