6 de abril de 2020
Onde moro os apartamentos “convivem” suficientemente perto para que se ouça e veja o que se passa no apartamento em frente. Por exemplo, minha cozinha, que fica no fundo, dá para a sala de visita e para os quartos onde mora uma família.
Sempre gostei de espiar pela janela. Espiar não é o termo certo para dizer o que sempre gostei de fazer. Eu olho pela janela. Espiar tem a ver com uma intenção maledicente e olhar contém algo profundamente humano: “afinal ele é igual a mim porque vive diferente de mim”? Não é por curiosidade sobre a vida alheia a razão porque olho. Tampouco uso binóculos como nos filmes de crime ou outros que xeretam cenas íntimas e ou indecorosas. Se vivesse numa cidade do interior, eu me sentaria no alpendre de casa ou colocaria um banquinho na calçada só para ver as pessoas viverem o seu passo cotidiano. A vida lenta e calma. Olhar é um passatempo sem sentido. Sei as venezianas que ficam eternamente fechadas, os apartamentos que estão vagos, os que estão em obras, e à noite, quando tomo a fresca, sei quem é insone e quem dorme cedo. Não passa disso.
Nestes dias de corona paira na minha rua certa calmaria e lentidão, comparada com A.V. (Antes do Vírus). Há sinais de vida: continuam os latidos de cachorros, os porteiros lavando o piso com o seu infernal esguicho Wapp – cujo barulho é irritante, contínuo e alto. Ouço as vozes dos entregadores de comida no portão de entrada do prédio, os portões batendo e – mesmo se menos – ainda há muitos carros subindo a rua. Dias atrás, no apartamento que fica bem em frente ao meu, imaginei que adolescentes e adultos jogavam WAR, o jogo de conquista de territórios, porque os gritos eram de guerra: “Vou te conquistar”! “Ganhei a Rússia, agora só falta a Inglaterra” logo depois um palavrão e gargalhadas. Misturas de vários tipos de música já feriram meus ouvidos. Misturaram-se música caipira com Vivaldi, As Quatro Estações. Ontem à tarde um vizinho estava ouvindo músicas de trilhas de cinema. Tive saudades dos meus tempos de moça! Enquanto isso acontecia, passava o carrinho com o alto-falante a toda: “Pamonhas, Pamonhas, Pamonhas, deliciosas, fresquinhas. No pratinho. Suco geladinho. Aceitamos cartões de crédito.” Uma ou duas vezes tudo bem, mas o disco não parava de falar até o momento que sumiu lá longe para continuar em outra freguesia.
Temo que D.V. (Depois do Vírus) voltaremos todos a distribuir sons, acordes, barulhos de cidade grande, inconscientes de que possamos estar atrapalhando alguém. Em tempos normais, os sons, as vozes, a música são um pano de fundo ao qual nos acostumamos como quando vestimos uma roupa apertada; quando se volta para casa, ao desvestir, percebemos o quanto a roupa nos incomodava. Assim com os barulhos: nesta quarentena, nós os percebemos nitidamente e aí se sabe o nível de decibéis que está incorporado dentro de nós A.V.
O que mais ouço, ou ao menos me chama mais atenção, são as crianças chorando, outras berrando, pais impacientes, e acho que sei de que apartamentos esses sons evoluem todos os dias. Tenho pena tantos dos pais quanto dos filhos pequenos. Em tempos normais já não é uma tarefa fácil manter os pimpolhos ocupados, imagino nesses tempos de solitária. É absolutamente compreensível arroubos de raiva e culpa por parte dos adultos. A noite paira o silêncio. Acredito que pais e crianças, exaustas, já foram dormir.
Hoje, lavando a louça, ação que executo bem e faço com muito prazer, ouvi o que me incomoda muito: crianças chorando. Aquele choro de cansaço, de irritação. Este som tem um timbre de dor pedindo por favor. A mãe perde a paciência, esbraveja para parar, daí a pouco chega o pai e dá um grito estridente de BASTA. A criança para de chorar, na hora. Pensei, enquanto a água gostosa molhava minha mão enxaguando um prato: “nesta casa falta a avó”! A mesma que corre risco de ser contaminada! (Tive o impulso de fazer as vezes da avó da criança, mas me contive, claro!). Uma pena que os velhos só se tornam sábios depois de bem velhos…
Nesse momento, estou apreciando o silêncio! É um silêncio inédito, o som dos carros muito longe como se fosse um riacho correndo baixinho.
Minha gente, quem vai descansar sou eu. Para vocês bom dia, boa tarde, boa noite.
Abraços virtuais e silenciosos,
bettina
Estes textos são ótimos e expresssam bem o pensamento da Bettina. Quando o Covid19 for embora lá para 2021, o mundo todo e seus bilhões de habitantes já terão se aconstumado à nova norma do dia, mascaras vai ser chic, distanciamento vai ser coisa normal, beijinho vai ser trocado por olá dito à distancia. Tudo vai mudar, pricnipalmente o ar que respiramos e a atitude de que com menos tamebm se vive!
Querido irmão,
Combinamos em nossos sonhos: “tudo vai mudar”! Eu gostaria muito! Infelizmente nao acredito que será assim tao fácil.
Pessoas tendem a esquecer lições aprendidas com o imprevisível. Caso assim não fosse não teríamos mais guerras sangrentas ao longo da História,
movimentos políticos obsoletos e que, comprovadamente, nao deram certo.
Tenho apenas um sonho: que os pobres fiquem um pouco menos pobres e os mais ricos, um pouco menos ricos, com liberdade e democracia, bem entendido.
Mas estamos pobres de lideres mundiais. Paira a ignorância, a brutalidade, a violência, a polarização, e só para acrescentar o que pertence ao Ser Humano, a todos nós: os 7 pecados capitais…
bj e obrigada por me ler!