17 de abril de 2020
Passei o dia irritada. Irritada com as notícias do Planalto. Irritada com os três poderes da República. Irritada porque perdi a hora de acordar, provavelmente cansada da solitude, irritada com a bateção de metais de uma obra em frente do prédio, e como se não bastasse irritada com a minha falta de atenção ao cozinhar o arroz. Explico:
Em mãos, um saquinho de arroz integral que bastava por para cozinhar no saquinho mesmo. Minha dúvida era se cortava a ponta para deixá-lo respirar durante o cozimento, pois imaginei que fechado poderia explodir. Insegura , decidi cortar a ponta do saquinho e despejei todo o arroz na água. Ele pronto, ainda “ao dente”, temperei com um caldo de carne, manteiga e tampei. (lembrei do risoto que outrora sabia fazer). Foi um momento de felicidade. O arroz não queimou! Abri a geladeira, pois havia visto há dias um vidrinho de ervilha que combinaria bem dentro do arroz. Despejei… Virou uma papa melequenta e mau cheirosa. Em outras palavras impróprio para uso. O meu arroz parecia uma gelatina branca transparente, salpicado de bolinhas verdes. Seria até apetitoso aos olhos, mas claro, foi para o lixo. Minha felicidade evaporou-se no tempo em que abri a geladeira e despejei o veneno na panela. Por que não conferi o estado das ervilhas antes de achar que eu iria ter um almoço, feito por mim, com sucesso? Não sei! Talvez excesso de confiança em ervilhas em pote de vidro!
Minha preocupação recai no fato que não posso desperdiçar alimentos porque tenho que sair e comprar outros. (Não faço pedido de delivery por medo dos motoboys, sem resguardo algum em suas entregas), assim emergiu o dilema: preciso fazer outro almoço. Para não correr o risco de estragar todas as verduras da geladeira, piquei-as e , na panela wok (redonda e funda que os chineses e japoneses usam), fritei no azeite um resto de frango. No fim molho de soja. Não sei se ficou melhor do que meu arroz; estava tão bom que meu mau humor sumiu.
Compensando o mau humor, vi – no fim do meu corredor – Lola, a labradora de 15 anos, junto a mim nesse momento, andando com mais desenvoltura. A veterinária começou a receitar cortisona, e acredito que este já possa ser o último recurso para que ela não sofra as dores da artrite. Rezo para que seu fim só aconteça depois da quarentena. Não vou aguentar ficar sem ela.
Nesse preciso momento, em que escrevo meu diário, buzinas e bateção de panelas contra o Bolsonaro tiram a paz que reinava em minha sala. Ouço o som da realidade: fritaram o ministro da saúde! O mau humor não voltou, apenas percebi o quanto estou cansada de pessoas que deveriam ser hóspedes no Juqueri. Minhas esperanças quanto às condutas lá do Planalto, sinto afirmar, o corona levou embora!
Ontem fui forçada a sair de casa com todos os cuidados tomados; choquei-me com o número de pessoas na rua, sem proteção alguma. Leio hoje que não se está respeitando as orientações dadas (e por que estaríamos se o presidente sai passeando por aí), abrindo o comércio, os ônibus lotados etc.
Pensando bem, provavelmente esta saída de ontem custou meu almoço de hoje por conta do mau humor. Por outro lado, o confinamento, amiúde, tem me aproximado de pessoas, o que não era vezeiro no meu passado (Já confessei que sou preguiçosa). Mas percebi que gosto de receber e enviar mensagens musicadas, textos de escritores, recomendações de séries e filmes. Procuro não as enviar às cegas: escolho a pessoa que imagino apreciaria aquela mensagem específica e busco escrever algo de gentil e se possível engraçado. Simplesmente não retorno às vociferações em frases e pensamentos – geralmente fakes – torcidos, esparramando o mau humor e infelicidade nas redes que chegam a todos nós.
Para que jogar mais lenha na fogueira? Se tem uma hora em que esse comportamento é absolutamente inútil é agora, com a mesma realidade grudada em cada um de nós, hora em que necessitamos de apoio afetivo, ético e moral.
Boa noite, boa tarde, bom dia para meus caros leitores. Vão desculpando a escrita de um dia, entre quatro paredes, um pouco mais sombrio.
Bettina
Eu estou amando! Em alguns dias até me identifico😭
Cara Eni,
Já pensou porque um escritor fica feliz com o retorno do leitor que diz identificar-se com ele … “mesmo se em alguns dias”? Isso é mais do que desejamos esperar. Escrevemos para transmitir, dizer algo de nós, mas que tem que ser comum a todos. À todos Humanos!
Nós humanos não diferimos tanto uns dos outros, lá no fundo, na alma. Alguns tem maior facilidade de acessá-la outros menos. Mas ao ler identificam-se igual. Escrevemos com os pensamentos voltados para o leitor desejando exatamente isso: chegar até ele, nosso bem maior, razão de ser!
Foi uma grande alegria sua espontânea afirmação: “estou amando”. Eternamente grata.
Adorei o imogi. Realmente dá vontade de chorar emparedados que estamos em nossas casas.
Um abraço sensível,
Bettina