30 de abril
Hoje acordei bem-humorada e mais cedo do que de costume: ontem à tarde minha filha veio – de longe – para andar comigo, na verdade duas voltas no quarteirão. Cansei, confesso, mas o humor voltou. Nessa caminhada paramos duas vezes em duas lojas de produtos veganos. Apesar de mais caros, minha filha perdeu muitos quilos comendo- menos do que antes – produtos veganos, muitos vegetais e frutas. Ela odiava cozinhar. Hoje está se tornando uma expert nesses pratos de gosto esquisito. Curiosa, acompanhei e ela foi me explicando cada produto e qual o índice glicêmico que cada um deles continha. Comecei a me interessar porque digiro mal a lactose. Conclusão, voltei para casa com duas sacolas contendo queijos e iogurtes feitos sem leite. Não sou fã de chocolate, mas ela me fez comprar um cacau sem açúcar para tomar nos dias mais frios – frente à TV – que estão se aproximando. Uma consideração de filha para mãe que adorei! Enrolada num um xale, acrescentou! De fato, imaginei, ser uma delícia esquentar o ânimo com uma boa xícara de chocolate quente preparada com leite de coco. Nestes dias de isolamento o melhor mesmo é nos tratarmos muito bem para aconchegar nossa alma em “panos quentes” … (não são todos os dias que temos vontade de fazer o mínimo para nós mesmos, mas no dia seguinte a sobrevida se impõe.)
Falando em comer logo pensamos em cozinhar. Percebi agradavelmente que após trinta dias vivendo em distância social e em luta com as panelas, devagar veio voltando um fazer as coisas como eu havia aprendido há muitos anos. Lembro que eu era eficaz com sopas porque sabia usar os restos do dia anterior. Comecei por aí. Aos poucos a memória foi se avivando e arrisquei com um salmão. Coloquei um papel alumínio num pirex, o salmão, reguei com azeite e por cima ralei o que havia sobrado das compras de 15 dias atrás: meia cenoura, rodelas de salsão e uma ervinha que vai muito bem com peixe: endro ou dill, sal e pimenta. Deu para o almoço e jantar. Verdes e sobremesa tudo junto com uma salada de folhas com abacate e maça em cubos, – não lá muito geometricamente quadradinhos!
O bom do alimento único é que se faz uma trouxa envolta do salmão, o pirex fica limpinho e o caldo dentro do papel, melhor ainda, nada para lavar a não ser o prato e os talheres.
Estou tentando lembrar todas as receitas que minha mãe, muito prática e com pouco talento na cozinha, fazia. Uns dizem que o pouco talento é hereditário, outros dizem que a geração seguinte vira uma expert na cozinha. (No meu caso acho que a segunda teoria falhou). Por isso lembrei do prato único de salmão. Sujar apenas uma panela, uma cumbuquinha, um pirex.
Nesse preciso momento estou “vendo” minha mãe na cozinha, bonita, morena, não muito alta, um avental florido azul na cintura – acho que tinha sido um roupão antigo recortado por nossa eterna costureira D. Elsa. Minha mãe era mestra em economia da transformação. (Herdei dela o talento de usar restos para fazer sopas)! Provavelmente até o fim da quarentena novas receitas práticas virão a mim. É a necessidade que nos molda! Prometo fazer um esforço para lembrar o maior número possível.
Na época da minha mãe, não existia a panela Wok, aquela redonda para comida chinesa e japonesa que serve para qualquer receita brasileira ou estrangeira igualmente. Sabem por que ela é uma revolução na cozinha? Primeiro porque quando se frita algo nela, a gordura não espirra para a superfície do fogão, e segundo, ela não tem cantos onde se deposita a gordura. Tenho horror à gordura! Jogo água fervendo nela e deixo de molho. Quando vou lavá-la, está quase limpa. Não gosto de guardar panelas embaixo da pia, me doem as costas cada vez que procuro a ideal, assim, já deixo a Wok – serve para tudo – em cima do fogão esperando a próxima refeição. Conclusão: só uso a Wok. (os orientais já sabiam tudo muito antes da gente!).
Aproveitando este dia de sol ameno, contente de ter estado com minha filha, feliz por ter “visto” a imagem da minha mãe sob um ângulo carinhoso, e tentando gostar de comida vegana – não creio que vou me adaptar, mesmo com a promessa de emagrecer – me despeço de vocês com um abraço de cozinheira realizada,- por hoje!
Bom dia, boa tarde, boa noite,
Abraço grande
Bettina
Delicia de texto !!!
Querida Ana Estela. É a primeira vez que respondo à um leitor por três comentários seguidos – os diários de números 12/13/14.
Quem adorou fui eu. Um incentivo sem denominação a não ser o prazer que v. me passou em seus comentários. Comentários que denotam uma
afinidade nos sentimentos: eu ao escrever e você ao entender , perceber, captar o conteúdo com tanta generosidade e precisão. Um presente que substitui qualquer outro que v. possa vir a me dar um dia. Por favor, continue lendo e enviando seu comentário.
Estes tempos de pandemia nem sempre permitem manter os prazos de meus retornos porque venho perdendo a conta dos dias do calendário, focada no meu diário
– na verdade no cotidiano – que não seguem, precisamente, as datas e sim o que me compele escrever naquele dia.
Obrigada tão afetuosa amiga
sempre/ bettina
Bettina, estou adorando te acompanhar nesta jornada…. sigo encantada!
Cara Ge, ( posso me dirigir a você como GE ? Suponho que seja uma abreviação!)
Que delicia de retorno: “encantada” “acompanhando” e sobretudo” jornada”.
Com certeza é uma jornada que nós todos fazemos na vida da melhor maneira que sabemos, nos aplicando a executar o que nos realiza. Nem todos podem fazer o mesmo, obrigados a seguir a jornada imposta por tantas imponderáveis e contingencias. Caso estiver interessa em conhecer um pouco da minha jornada – nem sempre “leve” digamos -, mas que nao impediu de escrever durante praticamente toda a vida. Somente agora que o destino está um tanto mais complacente na aposentadoria, dedico-me exclusivamente a escrita.
Ge, nao é você que publicava fotos de viagem no Instagram/face? Acho que chegamos a nos comunicar. Pode ser? Voce é do sul , nao é nao?
Espero que v. continue me seguindo. Um privilégio ter um seguidor encantado. Muito obrigada. Espero poder
corresponder ao seu carinho com minha escrita. Escreva um pouco sobre você! Como a pandemia está te tratando, ou melhor, você à ela…?
um abraço sempre agradecido
bettina