Hoje tenho uma história para lhes contar, mas antes preciso inserir um trecho da entrevista com Domenico De Masi, sociólogo italiano, sobre o momento covid-19. Essa curta transcrição cai como uma luva na história que conto em seguida.
Ao lhe perguntarem:
– Como usar o ócio e a criatividade a nosso favor mesmo diante da depressão e desânimo?
Responde De Masi
– “Os gênios são raros porque possuem uma grande imaginação e uma grande consistência. Entretanto cada um de nós, sem ser um gênio, tem um bom grau de criatividade em algum setor específico: teórico ou prático. Precisamos descobrir em que setor somos mais criativos e cultivar este setor específico. Esta pandemia nos demonstrou que podemos viver bem, além de consumir menos e refletir mais”.
A história que lhes prometi:
Era uma vez… não, não é uma estória de príncipe e princesa. É uma história de verdade que aconteceu muito tempo atrás. Eu não era ainda nascida. Me contaram assim:
Meus avós e minha mãe viviam em Viena desde os primórdios do século XX. Quando Hitler decidiu invadir a Áustria, eles imigraram para a Inglaterra. Lá estabelecidos, a Segunda Grande Guerra foi se intensificando quando da entrada da Grã-Bretanha no conflito contra o nazismo.
A comida começou a rarear, os sacrifícios a aumentar até que por fim veio o racionamento. Um punhado de batatas, uma galinha e mais alguma coisa que não lembro agora porque a história é realmente sobre batatas e uma galinha.
Minha avó, com apenas tais recursos em mãos, resolveu, em primeiro lugar, tirar a pele da galinha e transformá-la em gordura. Com os miúdos fez uma espécie de sopa e com o fígado conseguiu criar um patê. Depois esfaqueou a galinha em pedaços.
No primeiro dia, parcimoniosamente, juntou algumas batatas com casca e fez uma sopa.
No dia seguinte, fatiou as batatas e as fritou na gordura. Tipo uma panqueca.
No terceiro dia, cozinhou as partes menos nobres da galinha e sua família de quatro pessoas sorveu o caldo com bolinhas de pão.
No quarto dia, com o restante da gordura fritou um tanto de pele que havia guardado, o resto dos pedaços menos nobres da galinha, misturados com o torresmo. (Uma iguaria!).
No quinto dia, sem mais o principal item do cardápio, usou a sopa de miúdos e – prestem atenção – cozinhou junto os ossos do frango para que os filhos pudessem mastigá-los e assim fortalecer os dentes. Juntou a essa receita bolinhas do patê de fígado. (Posso confirmar que minha mãe morreu aos 84 anos, cedo para os padrões de hoje, contudo posso lhes garantir que ela morreu com todos os dentes e não me lembro de uma única vez que tenha reclamando de dor – ao contrário do meu pai. Como acontece com o coronavírus, as verdades ou não verdades sobre o que sabemos dele não são fundamentados em estudos científicos).
Por que esta história, somente nesse momento “pandemônico”, passou pela minha cabeça? Porque ela vem confirmar minha crença, provavelmente idealizada, de que alguns hábitos que tínhamos A.V (antes do vírus), como o não poupar atraídos pelo consumo indiscriminado, tendem a mudar. A consequência desta mudança faria despontar ao redor do mundo uma esperança, consciente, no sentido de que havendo menos consumo poderia haver menos desigualdade e a Natureza seria mais preservada.
Não é necessário sermos gênios, como nos esclarece De Masi, para estarmos aptos a aprender tudo o que queremos. Talvez por ter aprendido com a história da minha avó e mãe percebi que é possível, na prática, sobreviver e assim atravessar o seríssimo momento de dificuldade que estamos vivendo. Algum talento desconhecido pode emergir se deixarmos a criatividade se expressar. A capacidade e o talento estão em todos nós. Sem exceção!
Infelizmente não contei uma estória de príncipes e espero não ter aborrecido vocês com esta história que é de verdade!
Boa noite, bom dia, boa tarde,
Um abraço, hoje, só um pouquinho desanimada! Vai passar!
Bettina
Adorei a estória.
Cara Elvira,
Que coisa boa receber seu comentário. V. é uma leitora fiel. Te agradeço muito.
É um grande prazer te retornar.
A história da galinha e batatas é de verdade. É uma das histórias contadas pela minha mãe
quando eu recusava comer o resto de comida que deixava no prato. Acompanhava uma frase
que ainda soa nos meus ouvidos: “você nunca passou por uma guerra.”! enquanto escrevia o texto.
Lembrei da frase nesse momento em que somos todos obrigados a aprender como fazer do pouco muito.
Um abraço caloroso
Bettina
Muito bom. Em tempos difíceis como o que estamos passando agora serve para pensar, refletir e criar. Os menos
desesperados e impacientes certamente se tornarão criativos e/ou aprenderão a dar mais valor ao que possuem.
Cara Olga,
Primeiramente obrigada pelo seu retorno, preciso, ao captar o sentido que procurei dar ao texto neste momento.
Também acredito que mudanças ocorrerão. Contudo as transformações que ocorrem são lentas, seus efeitos de médio prazo, como em qualquer pós guerra. Quando sairmos desta verdadeira atmosfera de guerra contra um inimigo feroz, ocorrerão consequências imediatas para todos, ricos e pobres do Planeta. Quais serão é uma incógnita e assusta a previsão de alta gravidade.
Com meu diário busco entender, escrevendo e tento trazer um pouco de graça ao dia a dia de quem me lê. Eis ai uma conseqüência da quarentena para mim.
Tornar o dia a dia mais leve…. e também levado à serio. Te agradeço mais uma vez.
abraço Bettina