20 de maio de 2020
Hoje algumas notas caseiras não tão auspiciosas. Estou com dificuldade, dificuldade não é o termo, estou com menos automatismo ao usar o dedo indicador da mão esquerda para teclar meu texto. Explico: cortei-o com faca. Da mesma maneira cortei – em outra ocasião – o dedão da mão direita. Nada de grave não fosse ter que trocar o esparadrapo cada vez que lavo a louça. Sangue escorrendo pela pia, nada grave, mas me chateia porque a faca está tentando me dizer que não sei manuseá-la adequadamente. No braço direito, na altura do pulso, uma leve queimadura resultado de uma ação incauta da minha parte: joguei água fria na frigideira quente. Conclusão: como em dia de São João quando as crianças jogam as biribas perto da gente, as gotículas de gordura começaram a espirrar para todos os lados! Passado o susto, chato mesmo, foi ter que limpar o fogão todo pipocado por minha falta de destreza.
Estes pequenos incidentes têm me trazido uma dose de mau humor.
Mesmo os pelos da minha querida Lola, (uma labradora de 15 anos de idade quase paralítica.) espalhados em tufos pela casa começam a me incomodar, porque dependem de uma vassoura. As ações necessárias contra o corona, como varrer o chão, passar álcool em tudo que toco e mudar de calçado cada vez que vou até o fim do corredor jogar o lixo, encontram resistência da minha parte. O “culpado” por essa realidade, são os cinquenta dias que estamos em casa e que começam a me parecer uma clausura com Deus ausente. Apesar de não gostar destes serviços caseiros, os aceito como aprendizado de uma nova rotina pós – pandemia. Acredito que essas pequenas ações poderão conscientizar aqueles que não varriam o chão, não limpavam a casa, não jogavam o lixo fora.
Tenho recebido, nestes últimos dias, textos menos contentes, menos promissores de que bons ventos assoprarão por aqui. Acredito que não só estamos atentos a tal da curva do vírus e seu achatamento, mas podemos observar a curva dos humores e ansiedade subirem exponencialmente. Os dados são tristes, mas não inesperados para quem se dá conta que vivemos num País não só desigual na distribuição do bem-estar, mas racista também.
Informam que negros são mais acometidos pelo covid-19. Claro! Pobres e negros são obrigados a viver nas periferias descuidadas (isso sim é a má fé do poder público) onde não existem as condições necessárias para se prevenirem da contaminação.
Em nada muda os discursos à extrema esquerda ou direita. Talvez mudassem se um, ainda inexistente líder, não apenas discursasse sobre a pobreza etc. etc., mas nos elucidasse sobre as consequências da ignorância que viceja entre nós brasileiros e no Planalto.
A consequência é exatamente o que estamos lendo, vendo ou tomando consciência no dia de hoje, no meio da pandemia. Há um ditado que diz: “se você acha que educação custa caro, tente a ignorância”!
Enveredei por este caminho no lugar de comentar o dia a dia, em casa, em tempos de vírus. É que estou brava.
A nossa situação social precária era previsível! Faltou – ao longo destes últimos muitos anos, quiçá séculos – quem a quisesse, de verdade, transformar.
É possível acreditar que este momento seríssimo acorde a consciência dos políticos , assim como do povo, das profundas fendas abertas, repito, – não são de hoje, do aqui e agora – que sujeitam negros e pobres a morrerem em número mais elevado do que aqueles que podem se resguardar em seus lares.
Onde há corrupção habita a inconsciência!
A afirmação “não admito tal realidade” não vale para nada. Acredito pouco em beneficência, embora saiba que pode aliviar a consciência daqueles que talvez sejam, em parte, os responsáveis. Não é admiti-la ou não e sim ter consciência absoluta e segura de que é uma injustiça, uma amoralidade, uma indecência e não um destino vivermos num País em que tais circunstâncias existem e germinam cada dia mais enquanto pouco se produz para transformar este cenário deprimente.
É isso! Hoje me encontro raivosa! Cortar o dedo pode ter sido o despertar da minha consciência! Não estou nesse estado por ter cortado o dedo e queimado meu braço por falta de jeito na cozinha, estou com raiva e deprimida com a realidade brasileira!