01 de junho de 2020
Intitulo esse dia como A Pandemia, escreverei sobre ela. Vou esquecer que existe política, sociologia, poesia, literatura. Esses tópicos guardarei para quando terminar os “afazeres do isolamento”.
Fui convidada a participar de grupos de “chat”, onde, por unanimidade, decidiu-se não falar coisas sérias. Pedia-se que nos abstivéssemos do assunto corona e política. Justificou-se que não se devia aumentar o medo, a ansiedade e a insegurança que estes dois temas, hoje, carregam em si. Enfim, não devíamos mencionar as dificuldades que a gente vem percebendo com mais de 1000 mortes diárias, suas consequências e os assuntos do DF. Passei dias pensando em assuntos leves. Não me ocorreram muitos. A situação é grave demais! Passei a encaminhar youtubes engraçados (estes andam se repetindo, provavelmente a pandemia vem obstruindo a imaginação), de amor ou música, paisagens, ballet, e viagens prazerosas. Deixei de lado as piadas políticas, os destemperos de chefes de Estado, as politicagens. Para não me intoxicar e ter a necessidade de compartilhar impressões sobre os temas vetados, deixei de assistir aos jornais televisivos nacionais e estrangeiros. Passei a ler o jornal, configurando para mim, solitariamente, a realidade que deduzo como crível. Não critico quem se sente melhor não tocando nos assuntos ditos “pesados”.
Consegui isolar, nas minhas mensagens, o vírus covid-19 e o vírus Brasília, com saber específico! Este fato obrigou-me a rever assuntos pessoais que estavam embrulhados na alma e entre eles, sempre presente, a nossa realidade concreta, tangível, de doer o coração emitindo sons de revolta: nossa pobreza disseminada! Ela não constava, com a intensidade necessária, em nosso visor diário antes do corona. A condição “ao Deus dará” na qual vive a maior parte dos habitantes do País tornou-se:
A Pandemia! A verdadeira!
Esta percepção profunda e dolorida não pode mais deixar de aparecer em nosso retrovisor. Precisou o covid-19 sobreviver – no tempo- para demonstrar, através de letras garrafais, som de altíssimo alto falante e clareza de céu de brigadeiro que mesmo quem tem teto, emprego e não passa fome, convive com este mal.
Torna-se cada dia mais frequente a pergunta: o que você acha que vai mudar quando sairmos – vivos – da pandemia, digo, da fatalidade em si?
Pessoalmente só tenho uma resposta e a principal é a que segue:
Todos os brasileiros sairão mais conscientes sobre o País em que vivemos, apesar das pessoas que buscam apenas “coisas leves” para se distraírem dos seus medos não quererem, não desejarem, não realizarem que a real pandemia que assola o nosso Brasil e (por que não? toda a América Latina) está dentro de nós! Um destino?
Acredito que vamos aplicar a equação de que menos é mais. Penso que as regras que dirigiam, universalmente, a globalização, terão forçosamente que ser revistas. Será essencial que a prática dos mercados financeiros, dos sistemas de distribuição de saúde e das antigas teorias econômicas, sofram correções rigorosas à medida que hajam mais vozes falando a favor. Com pesar, não acredito que a pandemia – sim, esta é uma delas – dos rechaçados de seus países, por conta de guerras e fome, encontre o acolhimento necessário para que estes se curem dos seus traumas. A intolerância com o quem não é igual a nós é implacável!
Apesar de ser bom – o que não quer dizer mais produtivo – o trabalho ser realizado a partir da casa de cada um, pessoalmente sempre sonhei com a humanização das relações entre empregado e empresa. Já vi o funcionário entrar na empresa, metaforicamente falando, um pedaço de carne, passar pelo moedor (daqueles antigos que nossas avós parafusavam na tábua da mesa, pintados de prata, movidos à manivela) e sair bolinhas de carne do outro lado. Infelizmente, porém, acredito que a diminuição dos espaços físicos de escritórios (para desespero de quem investiu nesses produtos esperando viver do aluguel) diminuirá o contato entre pessoas, na mesma medida, dos sentimentos de solidariedade, dedicação ao próximo e compaixão. Vaidade, Orgulho e Poder predominam.
Gostaria que a restrição de todo tipo que o mundo está sofrendo hoje demonstrasse àqueles que detêm o poder a necessidade do exercício contínuo das virtudes, em volume suficiente para tornar este mundo um tanto melhor. Que a virtude maior seja a coragem necessária para transformar questões prementes que nossa vida cotidiana, como cidadãos do mundo, está pedindo.
Leitores, me perdoem a nuvem cinza que deixei pairar aqui nesse dia. Mas como imaginar inverdades ou proporcionar, continuamente, temas prazerosos? Sou idealista sem conseguir negar esta realidade: o que sinto aqui e agora é cansaço, insegurança, dúvidas, esforço de renovada paciência e desejo de que possamos vencer, em algum tempo, este desconhecido e implacável inimigo invisível que parece vindo das galáxias para medir nossas forças.
P.S. Confesso que esta nuvem cinza de hoje pode ter origem em um hábito adquirido no mesmo momento do aparecimento do vírus. Passei a assistir séries inteiras, de enfiada. Este hábito levou-me à insônia e o resultado se faz sentir no dia seguinte, além do mau humor com o mundo e da culpa de ter cedido novamente ao hábito quando eu “deveria tê-lo vencido”. É uma fuga da realidade que apareceu em minha vida – talvez na vida de alguns leitores também – pelo tempo que já estamos em casa, passando dos sessenta dias.
Boa tarde, boa noite, bom dia.
Um abraço afetuoso,
bettina
Interessante texto
Obrigada , Gloria, por ler-me e a importância que representa para mim v. voltar com um comentário.
Sim, as questões não só nossas, daqui Brasil, mas em geral, mobilizam sentimentos e intuições.
Não encontro outro caminho do que colocá-los no papel e exprimir , as vezes até, de maneira um tanto angustiada. A realidade que nos circunda, principalmente nesse momento de pandemia, o vírus e o ficar em casa nos obriga a refletir, ou melhor, por ausência de contato com o mundo lá fora, parece que determinados pontos para os quais não se prestava tanta atenção, tornam-se próximos e aí não dá para negar, com facilidade.
Tudo de bom para você, e por favor, envie sempre seus comentários. Fico feliz e sempre é um incentivo para continuar.
um abraço
Bettina