20 de junho de 2020
Graça, de achar graça ou aquela quando damos Graças a Deus por estarmos vivos ou ainda aquela que a natureza nos dá de graça.
No início da pandemia, eu achava graça, divertia-me com os detalhes desconhecidos que foram surgindo nos primeiros 50 dias de confinamento. A novidade virou rotina e com ela deixei de achar graça no “fique em casa.” Cada ida à cozinha para criar um prato de comida era uma renovada alegria. Selecionar receitas práticas, lavar louça, limpar o fogão, e outras atividades de manutenção da limpeza e asseio da casa.
Hoje, não acho mais graça alguma!
De duas semanas para cá, mais ou menos, comecei a achar tudo um tanto tedioso, repetitivo e não mais uma distração; o confinamento tornou-se uma imposição alheia à minha vontade. Quando crianças negávamos fazer coisas que não queríamos batendo o pé. Hoje já não nos é mais permitido ter tais reações e isto me frustra, pois, a vontade é essa mesmo: desobedecer a ordem! Porém a consciência dita ser uma irresponsabilidade, – e o é – contaminar o Outro com a minha rebeldia.
Pessoalmente estou a ponto de virar um ser das cavernas. Normalmente uso o cabelo num comprimento que não permite fazer um birote no alto da cabeça e prendê-lo com um ossinho de animal que acabei de matar para comer. Não uso um ossinho, mas uma espécie de presilha, daquelas que o cabelereiro usa enquanto faz a tintura de cabelo para separar em camadas. Apropriei-me de uma e, sem elegância alguma, prendo o cabelo que cresceu de maneira desproporcional. Quero dizer: “não estou nem aí para a estética”! (fato que AV dava bastante atenção.)
A educação que recebi em casa, ou seja, comer com garfo e faca, limpar a boca com o guardanapo, servir-me da travessa para o prato com o talher apropriado, enfim, algumas ações elementares da educação básica à mesa, pois é: ando esquecendo a expectativa dos meus pais quanto aos modos na hora das refeições. Surpreendo-me com um exemplo banal: para evitar lavar mais um prato ou talher utilizo o mesmo , ou seja a faca que corta a manteiga uso para repartir o abacate, o prato no qual comi o abacate, utilizo para comer o pudim. Quanto a lavar panelas penso estrategicamente: tenho comido sopões tipo minestrone. Uma refeição, uma panela, um prato, uma colher. Ainda não me peguei comendo direto da panela e com as mãos, mas temo que não falta muito para tal acontecer!
Tais preocupações não me deprimem, mas pergunto-me, quando voltar a vida “normal”, vou continuar com o selvagem que habita dentro de mim? Não é tão ruim simplificar a vida do dia a dia. Por que não fazer disso um hábito DV? Certamente essa atitude próxima ao Neanderthal, – uso selvagem a título de ilustração apenas – mudaria bastante as exigências da outrora moça mimada, habituada a conviver com modos veseiros “em sociedade”! Romper com as etiquetas sociais é uma evolução que deveria ser renovada de tempos em tempos. Deixar os supérfluos e as gracinhas sem graça de lado. Quem sabe, tardiamente, opto por viver como um hippie? Porém, viver como um hippie, por sua vez, também se tornará um hábito.
O que estou tentando dizer é que, enquanto isolada do mundo, o novo cenário tornou-se rotina, diferente, mas passou a ser o cotidiano tanto quanto antes do vírus (AV). A indagação a partir de agora é: quando voltarmos ao mundo dos vivos, será que não estaremos apenas trocando uma rotina por uma outra?
A rotina AV certamente não nos é desconhecida, mas é possível que DV ela nos induza– por vontade própria – e não por consequência, a modificar uma ou outra premissa. Por exemplo, um cuidado maior em relação ao consumismo pessoal e com as fontes naturais da qual dependemos para sobreviver. Uma novidade possível seria aumentar – cada um por conta própria – a consciência de termos passado incólumes por uma tragédia, ou seja, não termos sido vitimados por ela e assim poder continuar a amar todos que já amávamos antes do corona. Isto é uma Graça: A Graça de estar vivo!
Creio que nada mudará em relação às Graças que cada um de nós gostaria de ter, obter ou receber porque a felicidade não é cotidiana, rotineira, habitual. Creio que desejar ganhar cada vez mais Graças abre espaço para a infelicidade.
Boa tarde, boa noite, bom dia
abraço afetuoso
bettina
Bettina é uma ” Graça” reler seus textos. Continue a nos dar suas graças que nos ajudam a vencer o dia. Vou continuar a
bater o pé, mesmo que seja embaixo da
messa de refeição em protesto pela falta de liberdade de ir e vir. Graças por sua escrita.
Cara Naly,
Você é uma graça ao me retornar com tanta graça! Fico muito feliz ao receber, – no meio ou será final desse momento, isolados que estamos da vida lá fora, – uma mensagem de que pude fazer você sentir-se bem com os meus escritos.
Tenho buscado ser o mais verdadeira possível ao descrever as situações e meus sentimentos sobre a pandemia pois imagino que pode ser tão bom para quem lê como para mim, em escrever.
Logo mais será publicado um texto onde menciono o livro que acabei de ler: A Peste, de Camus. Nao comparei com o nosso corona em termos de nível de tragédia mas como algumas descrições se parecem com a nossa vivência nesses mais de 120 dias confinados.
Espero que você também aprecie e sobretudo aceite como eu, o nosso dia a dia forçado que por fim acabou nos ensinou, como v. bem diz, a percepção da nossa preciosa liberdade de ir e vir!
um abraço agradecido pela sua atenção,
até mais
Bettina
Trabalho excelente de escrita e ilustração.
Obrigada! Seu comentário é o maior incentivo para continuar a escrever.
O diário é diretamente ligado a pandemia, mas tudo indica que estamos acreditando que tudo já passou.
Assim, estou esperando a musa inspiradora baixar para continuar no tema.
Porém, com certeza absoluta, se nao baixar, continuarei a escrever nesse site e espero que v. continue acompanhando. O leitor é que incentiva o escritor.Continue enviando seus comentários.
Agradecida,
Um abraço
Bettina